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domingo, 17 de março de 2024

Ignorância e irrelevância ajudam o terrorismo no Oriente Médio

 Sheila Sacks

 




Comparações mal-intencionadas e irresponsáveis entre Gaza e o Holocausto emitidas por alguns chefes de estado do quadrante latino das Américas, parecem ser desconsideradas, não causam escândalos e nem abalam reputações.

Foi o que se apreende da matéria assinada pela articulista de O Globo, Janaína Figueiredo, sob o título “Sem mea-culpa no Planalto” (23/2/2024).

E justifica: “O custo para Lula, em termos de relações externas, não foi elevado. Ele abraçou uma causa e não pretende soltá-la.” E prossegue: “Lula e seus assessores não falam em autocrítica, mea-culpa nem nada parecido. Não se faz a avaliação de que a fala sobre Lula comparando o que Israel faz na Faixa de Gaza com o que Hitler fez com os judeus causou danos à imagem do Brasil.”

Uma avaliação, no mínimo, espantosa, porque parte do princípio de que o disparate na fala do presidente brasileiro não vale muita coisa. Ou, como já reportava o historiador Gaspar Barléu, lá pelos idos do século 17, em sua análise sobre a dominação holandesa em Recife: “ultra aequinotialem non peccavi” (não existe pecado abaixo do Equador).

Logo, reforçando a tese “dos sem pecados”, que mistura ignorância, irrelevância, esculhambação, irresponsabilidade verbal, desrespeito, populismo e alguma dose de cinismo, alguns dirigentes da região latina, como os presidentes  da Colômbia, Bolívia, Venezuela e Cuba, de imediato fizeram coro à fala de Lula em sua afirmativa de um genocídio em Gaza, comparável ao Holocausto.  Políticos companheiros que empurram a história real para escanteio, atropelam os fatos, fecham os olhos para as organizações terroristas, dão de ombros frente a um país minúsculo, única democracia no Oriente Médio, acuado por vizinhos hostis armados e nutridos por uma ideologia de destruição.

O Hamas, de pronto, agradeceu o apoio do presidente brasileiro, e um de seus integrantes, em gravação de vídeo, classificou de "postura corajosa" a comparação ofensiva entre Gaza e o Holocausto.

O continente europeu e os EUA, por sua vez, ainda enxergam a América Latina (Sul e Central) de maneira benevolente, como um conjunto de países pobres, desiguais e folclóricos, às voltas com graves problemas sociais. Dessa forma, preferem não se imiscuir em querelas públicas com seus governantes, pouco relevantes na geopolítica mundial, a não ser que ideologias não toleráveis possam ameaçar a tranquilidade do gigante do Norte, como foi a revolução cubana na década de 1960.

 Milícias e traficantes   

Ainda que não exista paralelo no Brasil de uma organização terrorista do molde do Hamas – com profundo envolvimento e apoio da população local - o país tem várias milícias paramilitares que dominam comunidades e praticam extorsão, e grupos armados de narcotraficantes,  como o PCC e o Comando Vermelho, que com suas ações violentas e ilegais mobilizam policiais civis e militares dos estados, e até a Força Nacional de Segurança Pública, em confrontos que acabam vitimando crianças e civis em geral.

Esses casos ocorrem principalmente nas incursões em comunidades de favelas e periferias ( com sua geografia de ruelas estreitas, subidas íngremes e esconderijos nas matas) onde ocorrem tiroteios entre policiais  e bandidos, com vítimas inocentes sendo atingidas por “balas perdidas”, uma alegoria inventada pela imprensa brasileira que serve como escudo de proteção aos policiais no âmbito judiciário.

No episódio da fuga de dois traficantes do Comando Vermelho do presídio de segurança máxima de Mossoró, no Rio Grande Norte (14/2),  a polícia federal prendeu, dez dias depois, o dono do sítio que abrigou os bandidos, mediante mandato judicial acusatório de “colaboração”,  por ele ter recebido a quantia de 5 mil reais para esconder a dupla, ainda que o homem alegasse que foi ameaçado. 

Transpondo o fato para Israel e substituindo os traficantes do Comando Vermelho por terroristas do Hamas, de que forma seria possível levar à prisão uma população de 2 milhões de habitantes se utilizando de um mandato judicial de “colaboração”, como o que foi expedido pela Justiça Federal brasileira? 

De acordo com relatório da ONG Palestinian Media Watch (PMW), divulgado após 7/10, a Autoridade Palestina (AP) iria pagar, de imediato, um total de 2,8 milhões de dólares para as famílias dos terroristas do Hamas mortos nos confrontos com Israel. O chamado “fundo dos mártires” recompensa a família de cada terrorista com uma pensão vitalícia, de menor ou maior valor, dependendo do número de judeus assassinados.

O “pagamento para assassinar” (Pay for Slay) foi instituído em 2014 pela AP para promover atos terroristas contra Israel e  segundo o instituto de pesquisa de segurança, “Jerusalem Center for Public Affairs, os salários mensais e benefícios que recompensam as famílias dos terroristas mortos, presos ou libertados, somam 300 milhões de dólares, anualmente. Diante do fato, qualquer análise sobre a sociedade de Gaza desemboca na realidade chocante de uma população estruturada e alimentada pelo terrorismo, a matança e a guerra contra Israel.

Alertas à população

Na guerra contra o Hamas e em se tratando de cidades cortadas por redes de túneis subterrâneos construídos pelos terroristas, a solução mais fácil seria explodir com tudo, o que as forças de Defesa de Israel não o fazem para evitar mortes de civis.  Um combate incomparavelmente difícil se levado em conta outros conflitos ora em curso em nosso planeta.

 Governantes conscientes sabem das dificuldades de manter uma guerra nessas condições. Alertas à população de Gaza são enviados de várias formas antes dos ataques e a insistência do Hamas em persistir na guerra, mesmo diante do sofrimento dos civis, é de uma arrogância e perversidade que mereceriam o repúdio público mundial.

O único perpetrador da guerra em Gaza é o grupo terrorista Hamas, a partir do inominável massacre de 7 de outubro; do desumano sequestro dos reféns, muitos já mortos; da lavagem cerebral dos palestinos, desde da mais tenra idade regada no ódio e no extermínio de judeus; das provocativas exigências para a entrega dos reféns; e, do incitamento  para que  outros grupos terroristas, como a Jihad Islâmica, também de Gaza, o Hezbollah, no Líbano, o Estado Islâmico (ISIS ou Daesh), do Iraque e Síria, e os Houthis, do  Iemen, ataquem alvos judaicos e aliados do Ocidente.

A suposta luta por um estado palestino esconde o real objetivo do Hamas: destruir o estado de Israel. E para isso contam com o apoio ostensivo da população. Em Gaza não existe diversidade de opiniões, como em Israel, nem partidos do centro, da direita, da esquerda ou ortodoxo. Todos apoiam e seguem o Hamas e sua cartilha de ódio.

Desde que Israel se tornou um estado soberano, em 1948, a ordem dos povos árabes é excluí-lo do mapa do Oriente Médio. Uma sucessão de atentados terroristas e de guerras sangrentas compõe a história dramática da sociedade israelense. A solução de dois estados nunca existiu na pauta dos países árabes, e só persiste como agenda pública de líderes ocidentais que dão cambalhotas nas tentativas frustradas de arranjos que possam agradar , de alguma forma, o mundo islâmico. 

No ataque de 7 de outubro foram assassinados ativistas que ajudavam os palestinos de Gaza, quando doentes ou carentes, a ter um atendimento de saúde mais especializado em Israel. Durante décadas, a agência da ONU para os chamados refugiados palestino (UNRWA, na sigla em inglês) foi a galinha dos ovos de ouro do Oriente Médio, entupida de dinheiro doado pelos países do primeiro mundo, que sempre fizeram vista grossa em relação à correta destinação dos recursos da chamada  “ajuda humanitária”. 

Por muitos anos Israel alertou nos fóruns internacionais sobre os recursos da UNRWA sendo desviados para o Hamas e sua estrutura de terror. Mas, os chamados comissários e responsáveis pela agência pouco atuaram para estancar o fluxo de dinheiro corrompido.

Parceria com Hamas

O desdobrar de 7/10 tornou público a espúria ligação da UNRWA com o Hamas. O porta-voz do governo israelense, Eylon Levy, em uma declaração em vídeo, no final de janeiro, afirmou que a UNRWA é uma fachada para o Hamas. "A agência foi comprometida de três maneiras: contratando terroristas em massa, permitindo que suas instalações fossem usadas para atividades militares do Hamas e se apoiando no Hamas para a distribuição da ajuda na Faixa de Gaza", disse ele.

Levy também afirmou que "cerca de 10% dos funcionários são membros do Hamas ou da Jihad Islâmica, e cerca de 50% são parentes de primeiro grau desses membros". No início deste mês (março/2024), o governo de Israel reiterou  que 450 funcionários da UNRWA são agentes militares inscritos em grupos terroristas de Gaza.

Somente os Estados Unidos doam anualmente entre 300 a 400 milhões de dólares para a UNRWA, de acordo com o porta-voz do Departamento de Estado, Matt Miller. No início de março, a União Europeia anunciou que até o final de 2024 vai enviar 82 milhões de euros (perto de 440 milhões de reais) de ajuda humanitária para a UNRWA.

Terrorismo e drogas

Em 2017, o coronel da reserva israelense Dany Tirza, consultor de segurança e um dos planejadores da barreira de defesa de 700 quilômetros que separa Israel da Cisjordância (construída entre 2000 e 2006 para conter os ataques terroristas), já alertava sobre as ligações do Hamas com o cartel de drogas de Sinaloa, no México, com a finalidade de introduzir drogas sintéticas (metanfetaminas) no Oriente Médio e assim obter mais lucro para as suas operações terroristas.

Nessa aliança do mal, membros dos Hamas ensinavam os criminosos do cartel a construírem túneis subterrâneos para atravessarem a fronteira dos EUA com as drogas. À época, o então secretário de estado do governo Trump, o republicano Rex Tillerson, também afirmou a congressistas  que existiam ligações entre o Cartel de Sinaloa e os terroristas do Estado Islâmico.

Em outubro do ano passado, diante do brutal ataque do Hamas, as plataformas de notícias do México ( sdpnotícias, Vanguardia MX, MVS noticias, Cambio 22 e RadioFormula) voltaram ao tema, repercutindo as declarações de  Dany Tirza ao jornalista investigativo Óscar Balmen, especializado em pautas de crime organizado. O militar israelense  revelou que detidos palestinos confirmaram o acordo existente entre os terroristas e o Cartel de Sinaloa, desde 2000,  que consistia em ensinar os traficantes a construir túneis subterrâneos  para o transporte de drogas de Tijuana, na fronteira, a San Diego, nos EUA, em troca de vultosas quantias de dinheiro.

Tirza ainda acrescentou que para maximizar os lucros, o Hamas entrou no tráfico de drogas sintéticas no Oriente Médio, principalmente no Líbano e no Egito. Para a Federação de Agências Americanas IC (United States Intelligence Community), o Cartel de Sinaloa é a maior e maios poderosa organização de tráfico de drogas do mundo, criada por Joaquin “El Chapo” Gusman, em prisão perpétua nos EUA, desde 2019.  Um sindicato de crime global, mais influente  do que o Cartel de Medellín, do colombiano Pablo Escobar, quando a rede de tráfico estava no auge (1972 a 1993).

O britânico Jeremy McDermott, um dos fundados da mídia InSight Crime, jornalismo investigativo com foco no crime organizado na América Latina e Caribe,  disse a BBC News (2/3/24) que  houve uma fragmentação na região em relação ao tráfico, a partir da pandemia, quando os Estados ficaram paralisados. “Não existem mais cartéis que controlam todos os elos da cadeia de atividades criminosas.”

  A reportagem ressalta que organizações como o Primeiro Comando da Capital (PCC), do Brasil, ou o Trent de Aragua, da Venezuela, conseguiram expandir sua presença fora das fronteiras graças a esse tipo de “subcontratação criminosa”. Ex-oficial do exército inglês e com muitos anos de trabalho como correspondente na Colômbia e em outros países do continente,  McDermott observa que a diversificação da carteira criminosa (tráfico de seres humanos e de armas, prostituição, expansão das drogas sintéticas, falsificação de medicamentos, assassinatos de aluguel e a mineração ilegal) ocorre num contexto de fragilidade dos sistemas judiciais e de segurança na região. "A corrupção sempre foi um problema, mas hoje a democracia está mais sitiada do que nunca pelo crime organizado. Vemos a penetração sistemática desses grupos no Estado", conclui.

Atualmente, Israel mantém relações diplomáticas com todos os países das Américas do Sul e Central e do Caribe, exceto Cuba, Bolívia e Venezuela.

 

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

2023 ano 2 - Até o final dos tempos

Guerra de Israel contra os terroristas do Hamas reacende o estopim do antissemitismo globalizado        

/ Sheila Sacks /

Para uma humanidade teleguiada por slogans e imagens, grande parte deles agora manipulados ou induzidos pelo processo de Inteligência Artificial (IA), pouco importa que centenas de milhões de dólares da chamada Ajuda Humanitária estejam enterrados em quilômetros de túneis sangrentos de Gaza, com suas galerias repletas de armas e munição, ao invés de comida e remédios. Ou que o massacre de 7 de outubro tenha ceifado a vida de 1.200 jovens, idosos e crianças com requintes de crueldade, vandalismo, estupros e sequestros que brutalizaram 240 vítimas, feitas reféns em um banho de sangue que envergonha e desonra a raça humana.

Isso em um mundo marcado pelos estigmas da fome, com 780 milhões de famintos, segundo a ONU, da violência, corrupção e direitos básicos desrespeitados, incluindo nesse bolo macabro países como Sudão,  Afeganistão, Etiópia, Paquistão, Somália, Síria e Iêmen, entre outros, que cinicamente questionam as ações de defesa de Israel.

Chamada pelas Forças de Defesa de Israel (IFD) de metrô de Gaza, a complexa rede de túneis teria uma extensão de 500 quilômetros, segundo o próprio Hamas, o que somaria quase a metade do sistema do metrô de Nova Iorque. Essa seria uma segunda rede subterrânea construída para transportar e armazenar foguetes, mísseis, armas e munição, além de abrigar centros de comando e de comunicações do grupo terrorista (a primeira, para contrabando, que ligava Gaza ao Sinai, com 1.200 túneis, conforme as autoridades egípcias, foi inundada de água e esgoto em 2013).

Especialistas israelenses calculam que foram utilizadas mais de 6 mil toneladas de concreto e 1.800 de aço para erguer o labirinto subterrâneo de túneis,  e que munido de eletricidade e portas blindadas  cada túnel poderia custar em torno de 3 milhões de dólares.

Túneis atravessam Gaza

Em dezembro último, as IFD divulgaram que localizaram 800 túneis e 500 bocas de entrada e saída de diversos tamanhos construídos embaixo de escolas, hospitais, mesquitas e edifícios residenciais. Entrevistada pela CNN ('The Gaza metro: The mysterious subterranean tunnel network used by Hamas'), a pesquisadora Daphné Richemond-Barak, do Instituto Internacional de Contraterrorismo da faculdade de Herzliya, ressaltou a dificuldade de destruir túneis construídos em zonas urbanas, do ponto de vista estratégico e operacional, face à proteção que se pretende garantir em relação à população civil.

Diferente dos túneis construídos pela Al Qaeda nas montanhas do Afeganistão ou pelos vietcongues nas selvas do Sudeste Asiático, os túneis subterrâneos do Hamas estão propositadamente sob uma área densamente povoada para causar os maiores danos possíveis à população. Para a especialista israelense, não existe uma solução infalível para lidar com a ameaça de um túnel. Bombardear as passagens subterrâneas é normalmente a forma mais eficiente de eliminá-las, mas tais ataques podem impactar os civis.

Reportagem do jornal El País, publicada uma semana depois do ataque de 7/10, apontava o solo arenoso de Gaza como o pior inimigo de Israel. O labirinto de túneis, segundo o professor e historiador Harel Chorev , da Universidade de Tel Aviv, era um dos segredos mais bem guardados do Hamas. “Em 2014 sabíamos que havia túneis atravessando Israel, mas agora sabemos que existem dezenas de redes que se deslocam de dentro da própria Faixa”, assinala Raphael Cohen, pesquisador da RAM Corporation, organização americana de estudos políticos.

O general reformado Yehuda Kfir, engenheiro e especialista em guerra subterrânea, acredita que foram usadas furadeiras manuais rotativas desenvolvidas pelos terroristas para escavação, e avalia que a guerra subterrânea é muito mais difícil porque não se pode analisar o que está acontecendo no subsolo. Ele observou que na Segunda Grande Guerra houve um soldado japonês que somente saiu de um túnel, onde se mantinha escondido, anos depois do fim do conflito.

A profundidade dos túneis (um deles descoberto recentemente, com 50 metros) também revela que a escavação do Hamas perfurou abaixo do lençol freático de 30 metros, o que não é simples. O especialista ressalta que é uma tecnologia acima da média e, portanto, nessa etapa da guerra é preciso inserir ferramentas inteligentes sensores, microfones e robôs, qualquer coisa que possa penetrar nos túneis e trazer informações sobre onde eles estão localizados (The Times of Israel, 19/12).

Arquitetura de terror

Há dez anos, antes de o Egito destruir os túneis que desembocavam em seu território, uma acadêmica palestina que vive nos Estados Unidos teve a oportunidade de conhecer alguns túneis quando procurou se conectar com familiares. Sem os documentos necessários para entrar legalmente em Gaza, ela e a mãe foram introduzidas em uma abertura no chão na cidade costeira egípcia de Al-Arish, a 53 quilômetros da Faixa de Gaza, e de lá, em uma longa caminhada, e também se utilizando de motocicletas, passaram por túneis reforçados e iluminados, até o ponto de encontro com os primos.

Usando o pseudônimo Bint al-Sirhid, ela relata sua experiência em um livro, editado em 2021 pela Universidade Americana do Cairo, que reuniu estudos acadêmicos urbanos sobre Oriente Médio intitulado  “Open Gaza - Architectures of Hope” (Gaza aberta – Arquiteturas da Esperança, em tradução livre). Afrontoso é incluir as redes de túneis de contrabando, armas e terror do Hamas como uma arquitetura urbana de esperança, mas foi o que fizeram os americanos Michael Sorkin (arquiteto já falecido) e Deen Sharp, urbanista especializado em arquitetura islâmica, responsáveis pela compilação do material.

 Na reportagem da NPR (National Public Radio, em 11/12/2023), a acadêmica palestina ainda vai mais longe e diz duvidar que alguém possa ter informações precisas sobre o atual sistema de túneis de combate de Gaza, mesmo usando a IA, porque, segundo ela, são “literalmente subterrâneos e profundamente secretos” e que não há tecnologia para detectá-los.

Túneis do Hezbollah

Mas, antes mesmo da construção da rede de túneis em Gaza, o sul do Líbano já era dotado de uma vasta rede subterrânea, “profunda e multifacetada”. A afirmação é de um ex-oficial das Forças de Defesa de Israel, Tal Beeri, que durante décadas serviu em unidades de inteligência. Diretor do Departamento de Pesquisa da organização “Alma Center”, especializada em geopolítica do Oriente Médio e sediada na zona fronteiriça com o Líbano e Síria, Beeri  é autor do estudo “Hezbollah's Land of Tunnels - The North Korean-Iranian Connection”, publicado em julho de 2021 e acessível pela internet.

Em sua avaliação, a rede de túneis do grupo terrorista xiíta Hezbollah tem centenas de quilômetros e é bem mais sofisticada do que a do Hamas. Com base em um mapa do sul do Líbano, descoberto há anos, marcado por círculos indicando “36 regiões geográficas, cidades e vilas”, conjuntamente com imagens, vídeos e informações coletados em uma série de fontes, Beeri percebeu que cada centro de comando possuía uma infraestrutura de túneis interligados.

Em recente entrevista ao The Times of Israel, o ex-militar explica que existem vários tipos de túneis no Líbano. Os túneis de ataques são grandes e extensos e comportam até caminhões de médio porte. Os túneis táticos, destruídos em 2019 na Operação Escudo do Norte (Operation Northern Shield), destinam-se a circulação de pessoas e estão perto das aldeias para ataques de terroristas a partir do subsolo. Também podem existir túneis próximos, perto da fronteira, para os terroristas emergirem e atacar. E ainda um tipo adicional de túnel com explosivos, escavados com o único intuito de serem denotados quando as forças israelenses operarem dentro do Líbano.

Lembrando o papel da Coreia do Norte na construção dos túneis no Líbano, nas décadas de 1980 e 1990, Beeri destaca que a partir de 2014, de posse do conhecimento e da tecnologia adquiridos em mais de 25 anos de parceria, o Hezbollah já foi capaz de expandir sozinho a rede de túneis, de onde mísseis são disparados contra Israel. “A infraestrutura dos túneis permite que um caminhão transite até o local onde será feito o disparo. O caminhão sai do túnel, dispara e desce novamente. Quando se sobrevoa o local, tudo o que se vê é a montanha. Fica muito difícil encontrar o local de lançamento.”

No estudo sobre os túneis no Líbano, Beeri aponta igualmente a influência do Irã , a partir de 2006, depois da guerra de Israel contra o Hezbollah, por meio da companhia “Iranian Authority for the Reconstruction of Lebanon”. A empresa, comandada por um militar da Força Quds, Hassan Shateri (morto na Síria em 2013), oficialmente trabalhava na reconstrução dos prédios no sul do Líbano, mas efetivamente dava apoio armado ao Hezbollah. Em 2014, a empresa passou a se chamar Bekaa Building and Contracting Company, uma espécie de nome fantasia, segundo Beeri (‘Expert: Hezbollah has built a vast tunnel network far more sophisticated than Hamas’s’, em 2/1/2024).

Perigo à vista?

Apesar da chamada Seam Line, barreira com muros e cercas de segurança que separa as cidades israelenses da Cisjordânia, moradores da comunidade de Bat Hefer, e outras (situadas entre esta barreira e a Linha Verde, zona fronteiriça com o Líbano, Síria, Jordânia e Egito), mostram-se apreensivos com a hipótese de que o Hezbollah possa estar construindo túneis que atravessem o território israelense e se queixam de ruídos e movimentações no subsolo.  Testes e varreduras já foram realizados há pouco tempo, mas por enquanto não houve nenhuma descoberta que indicasse escavações, dizem as autoridades locais. 

Perguntada sobre o problema, a pesquisadora Richemond-Barak acha que não se pode descartar essa possibilidade, visto que foram encontradas infraestruturas subterrâneas no subsolo da cidade de Jenin ( terceira maior cidade da Cisjordânia), no ano passado. - Se estão cavando dentro de Jenin, por que não tentariam cavar abaixo da Zona Verde agora? Por que não encontraríamos túneis em Bat Hefer? (comunidade de 5 mil moradores situada perto da cidade árabe de Tulkarm, na Cisjordânia, que tem 60 mil habitantes).

A pesquisadora ressalta que o tipo de solo para escavação na Cisjordânia é mais difícil do que o de Gaza, assim como acontece no sul do Líbano. Mas, já se sabe que o Hezbollah tem escavando túneis até na pedra. – É preciso ter consciência da ameaça e que a possibilidade de escavações existe, alerta Richemond-Barak.

Antissemitismo em alta

Articulistas do The Jerusalem Post(JPost) têm analisado a força e o poder de influência do Hamas no imaginário das pessoas, bombardeadas por imagens estratégicas que apresentam os palestinos como mártires inocentes de uma guerra injusta. Custa crer que a construção de quilômetros de túneis abarrotados de armas, munição, foguetes, caminhões etc. escavados embaixo de edifícios residenciais, escolas, hospitais e mesquitas, por anos seguidos, não era do conhecimento da população. Uma obra de tal porte passou em branco para 2 milhões de pessoas ! Ninguém desconfiava?  

Alegações similares às das populações da Alemanha e da Polônia, na Segunda Guerra, em relação à construção e funcionamento dos campos de extermínio. Documentos e depoimentos posteriores provaram que todos sabiam sim, mas não se importavam. E muitos aprovavam. Então como separar o Hamas dos chamados "civis" de Gaza? 

Esse conto da carochinha engendrado pelo Hamas e os parceiros que o sustentam, muitos nos  bastidores ou ostensivamente como o Irã, é um golpe da mais sórdida propaganda para engabelar governos, parlamentos, organizações humanitárias, universidades e a mídia ocidental. Tem dado frutos  porque o ser humano, ainda que investido de funções públicas, tende a ser leviano e/ou tendencioso, raramente exercendo a prática da imparcialidade. Dar de ombros, lavar as mãos e  passar adiante a pseudoinformação engrossando a campanha de difamação, mentiras e distorções do grupo terrorista e de seus patrocinadores contra Israel, não vai tirar o sono dessas pessoas.

Richard Kemp, ex-coronel do exército britânico, é enfático ao afirmar que o grupo terrorista Hamas “é hoje a entidade antissemita de maior sucesso no mundo”. No artigo publicado no JPost, em 22/12, o militar que comandou as forças britânicas no Afeganistão e Iraque, conta que a base desse sucesso tem como padrinho a União Soviética, que nas décadas de 1950 e 1960 se alinhou com os árabes e fomentou uma guerra de libertação nacional contra Israel. 

Assim, de acordo com Kemp, foi desenvolvida uma campanha contra Israel de deslegitimação, dando origem a acusações de roubo de terras, ocupação e colonização ilegais, apartheid e outras distorções que se tornaram “fatos indiscutíveis”.

- Isso significa que tudo o que for feito a Israel e aos judeus é justificado como resistência legítima, e qualquer ação levada a efeito por Israel para defender o seu povo é injustificada, ilegal e inaceitável.

A propaganda antissemita sistemática do Hamas está intimamente ligada aos ataques terroristas a Israel, maximizando as reações de defesa de Israel visando provocar acusações de crimes de guerra e crimes contra a humanidade, isolando Israel da comunidade internacional e dos próprios judeus da Diáspora.

Algumas semanas depois do ataque de 7/10, um exemplar de "Mein Kamp" , traduzido para o árabe, foi encontrado junto com um terrorista morto em Gaza pelo exército israelense. O presidente Isaac Herzog fez a revelação em entrevista à BBC, afirmando que o massacre perpetrado pelo Hamas foi sustentado pela mesma visão antijudaica que promoveu o genocídio de 6 milhões de judeus pelos nazistas.

O professor Prof. David Patterson, presidente dos Estudos do Holocausto na Universidade de Dallas, lembra que a partir de 1935, a Irmandade Muçulmana (fundada em 1928 pelo egípcio Hassan al-Banna, e da qual o Hamas é o braço palestino), enviava delegações aos comícios nazistas em Nuremberg.

O historiador americano Jeffery Herf , autor de um estudo sobre propaganda nazista no mundo árabe, fez registros de programas de rádio de cunho antissemita produzidos pelo regime alemão e transmitidos em árabe para o Oriente Médio, entre 1939 e 1945. A iniciativa recebeu o aval do líder palestino Haj Amin Al Husseini, conhecido como o Mufti de Jerusalem, que apoiava o regime de Hitler e ajudou a exportar a ideologia nazista para o mundo árabe.

Segunda Frente

Diante da escalada de incidentes antissemitas depois do ataque de 7/10 ( um aumento de 500% em todo o mundo), o ministro israelense de Assuntos da Diáspora e Combate ao Antissemitismo, Amichai Chikli, considerou a situação atual a pior desde a década de 1930. Em um encontro online organizado pelo JPost, sob o título The Second Front, Chikli reforçou que a postura dos judeus deve ser de repúdio ao ódio. - Se não pudermos condenar as atrocidades cometidas em 7 de outubro, se não pudermos condenar o Hamas, então um diálogo significativo torna-se impossível, afirmou.

Outra participante do debate, Tal-Or Cohen Montemayor, fundadora e diretora da organização CyberWell, que monitora manifestações antissemitas na internet, revelou que houve um aumento de 86% de conteúdo antissemita online, com destaque para rede social Facebook, que registrou uma subida de 193%, inclusive com apelos à violência contra os judeus.

Para Montemayor, as plataformas de redes sociais se mostraram despreparadas para o sequestro dessas ferramentas digitais pelo Hamas, permitindo exposições de vídeos chocantes e transmissões ao vivo de cenas do massacre, e não providenciando a remoção imediata dessas imagens veiculadas pelos terroristas. A utilização ideológica dessas imagens provocou um segundo front de guerra, esse na área psicológica contra Israel, que animou outras facções terroristas, milícias árabes e grupos internacionais sabidamente que pregam a aniquilação da nação judaica, a abusarem de conteúdos antissemitas.

O presidente do Yad Vashem (Museu do Holocausto de Israel), Dani Dayan, também se manifestou no debate e alertou para o fato que considera mais preocupante em relação ao antissemitismo atual: a crescente academização de um velado antissionismo que atinge principalmente as universidades americanas e da Europa. -  Nas instituições acadêmicas de maior prestígio nos EUA e na Europa, estão a construir pedra a pedra, peça a peça, artigo a artigo, livro a livro, uma pseudojustificativa intelectual para eliminar o Estado de Israel como o conhecemos.

Queixa em Haia

Um dos efeitos desta campanha perniciosa contra o estado de Israel, cujas forças de defesa nesse início de 2024 ainda combatem os terroristas em Gaza, e parte do reféns permanece sob o jugo facínora do Hamas, foi a  performance  midiática e burlesca da África do Sul, que apresentou queixa à Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, em 29 de dezembro, se utilizando do termo “genocida” para deslegitimar as ações de defesa do exército israelense.

Em 11 de janeiro deste ano, face à primeira audiência no Tribunal de Haia, nota da chancelaria israelense classificou a atitude da África do Sul como “uma das maiores demonstrações de hipocrisia da história, agravada por alegações falsas e infundadas”. O governo de Israel acusou Pretória de bancar o “advogado do diabo” para o Hamas e agir como um braço legal da organização terrorista.

 “Não é Israel que está em julgamento, mas a integridade da comunidade internacional”, disse o ex-primeiro-ministro Yair Lapid, líder da oposição em Israel. -  Se um país que se protege de um ataque terrorista brutal e assassino pode acabar em um tribunal por genocídio, então a Convenção sobre Genocídio tornou-se uma recompensa para o terrorismo.

A Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio foi adotada pela ONU, em 9 de dezembro de 1948, e ratifica o compromisso da comunidade internacional no sentido de que “Nunca Mais” ocorra as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial. Cabe ao Tribunal de Haia, órgão jurisdicional da ONU, emitir julgamentos e pareceres.

O jornalista e escritor Amotz Asa-El, colunista do JPost, escreve que os judeus estão acostumados à combinação de difamação e agressão. A novidade é a sua origem. “A tocha que foi acesa pelos cristãos europeus e mais tarde transmitida aos islâmicos da Ásia, é agora erguida pelos santos’ africanos”.  E pergunta: Com os seus cidadãos metralhados, os seus bebês massacrados, as suas mulheres violadas e as suas casas incendiadas, o que faria você no lugar de Israel?

Pesquisa divulgada há poucos dias (10/1) pelo Centro Árabe de Investigação e Estudos Políticos do Catar apontou que 67% dos 8 mil entrevistados em 16 países árabes consideram o massacre de 7 de outubro “uma operação de resistência legítima” do Hamas por conta da ocupação israelense.  E 69% dizem apoiar o grupo terrorista em suas ações. Ou seja, a doutrina nazista de “morte aos judeus” é uma realidade atual no conjunto de países árabes, cuja população, em sua maioria, não vê impedimento moral no que tange a matar judeus e aniquilar o estado de Israel.

Apoio ideológico

No Brasil - onde vivem 11 milhões de árabes e seus descendentes, cerca de 6% da população do país, segundo levantamento divulgado pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira (2020) - , o Itamaraty se dobrou à  ideologia populista do partido do governo e emitiu nota de apoio à ação da África do Sul, recebendo o imediato repúdio da Confederação Israelita do Brasil – Conib, que condenou a decisão. “É frustrante ver o governo brasileiro apoiar uma ação cínica e perversa como essa, que visa impedir Israel de se defender de seus inimigos genocidas.”

A embaixada de Israel em Brasília, em comunicado expedido pouco antes da visita do representante palestino Ibrahim Alzeben ao Palácio do Planalto (condecorado em novembro passado com a Ordem do Rio Branco, no grau Grã-Cruz, a mais alta do país) e da decisão brasileira, afirmou: “Segundo a definição da ONU para o termo genocídio, definições que o Brasil aprecia e trabalha à luz, o principal é a intenção. Israel não tem intenção de matar palestinos não envolvidos e evita isso tanto quanto possível, apesar das dificuldades apresentadas pelo Hamas na sua forma de operar, usando cidadãos não envolvidos como escudos humanos.”

Por sua vez, a Conib lembra que “Israel está apenas se defendendo de um inimigo, ele sim, genocida, que manifesta abertamente seu desejo genocida de exterminar Israel e os judeus.” E reforça um fato que está à vista de todos, apesar da propagação de mentiras levada adiante de forma cínica e inescrupulosa pelos terroristas. Diz a nota da Conib: “O Hamas se esconde covarde e deliberadamente atrás dos civis de Gaza porque suas mortes são usadas como arma contra Israel na opinião pública mundial.”

Menos mal que as três maiores mídias nacionais opinaram negativamente sobre a  atitude do governo brasileiro, classificando o apoio à denúncia da África do Sul como uma “agressão injusta” (O Globo); afirmando que houve uma “acusação infundada de genocídio” (O Estado de São Paulo);  e que o “ Brasil erra ao deixar a equidistância na guerra” (Folha de São Paulo).

Guerra psicológica

Em resumo, dias duros continuarão a atormentar Israel e os judeus da Diáspora neste ano 2 de 2023. A arena global e midiática já foi montada em Haia e outros palcos serão preparados para os shows de falsidade e hipocrisia de governos, políticos, ONGs e intelectuais. Concorrendo por fora, mas tão importante quanto, estarão ativas as agressivas e despudoradas redes sociais.

Países com histórico de ditadura e violação de direitos humanos, corrupção, crime organizado, narcotráfico, tráfico humano, trabalho escravo, desigualdades sociais gritantes, justiça desqualificada, de populações famintas e sem trabalho, carentes de saneamento básico e água potável vão vociferar contra Israel e exigir justiça para os que abrigam e incentivam o terrorismo sem fronteiras.

Organizações alimentadas com recursos de lavagem de dinheiro de grupos econômicos de fachadas irão preparar manifestações para ameaçar e cobrar de Israel que se mantenha dentro das quatro linhas, ainda que a sua população civil esteja diariamente à mercê de ataques genocidas.

Políticos, intelectuais e profissionais da mídia em suas salas refrigeradas estarão repetindo o básico a favor dos direitos humanos, o que qualquer cidadão em sã consciência não desaprova. No entanto, os discursos, comentários e textos serão apenas cortinas de fumaça a esconder a real motivação tendenciosa e acusatória contra o estado judaico que ao longo dos embates se mostrará visível e perniciosa.

A esta elite, porém, não se deveria permitir abusar da esperteza e de jogar para a plateia, empurradas a moral e a ética para o fundo do baú. Fingir-se de ignorante ou bancar o inocente em relação ao termo “genocida”, é uma artimanha pérfida. Genocídio é o conceito específico para designar crimes que têm como intenção e objetivo a eliminação da existência física de grupos nacionais, étnicos, raciais, e religiosos. O Holocausto é o exemplo perfeito de “genocídio”, termo criado em 1944 pelo advogado judeu polonês Raphael Lemkin (1900-1959) para descrever as políticas nazistas de extermínio, combinando a palavra grega geno, que significa raça ou tribo, com a palavra latina cídio, que quer dizer matar.

Outro exemplo flagrante de genocídio foi o massacre de judeus em Lisboa, ocorrido em 1506. Em dois dias, uma multidão fanática assassinou impiedosamente 4 mil cristãos-novos (judeus convertidos à força) insuflados por monges dominicanos. Um pouco de história e clareza para os que teimam em usar o termo de forma irresponsável. A tragédia de horror está sendo revivida no filme “1506” a ser lançado em 19 de abril, quando se completam 518 anos do massacre histórico.

Também teve caráter de genocídio a perseguição e o assassinato sistemático de judeus na América do Sul pela Inquisição, nos séculos 16e 17.  A epopeia trágica “A Saga do Marrano”, do escritor argentino Marcos Aguinis, retrata de forma magistral o clima de medo e sofrimento vivido por essas famílias no Brasil, Argentina, Peru e Chile, após a sua expulsão da Espanha (1492) e Portugal (1496). O relato inquietante de pessoas que esperavam encontrar um “novo mundo” na América e se deparam com um ambiente inquisitorial, hostil, impregnado de fanatismo, hipocrisia e pela mais despótica corrupção. Uma viagem de esperança que tem seu desfecho em 1639, com o maior auto de fé da América Latina, quando 60 judeus e cristãos-novos são queimados vivos em Lima.

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À guisa de informação: cerca de 60 mil palestinos e seus descendentes vivem no Brasil, a maioria em São Paulo, de acordo com a Federação Árabe-Palestina do Brasil (Fepal). Também existem comunidades no Rio Grande do Sul e nas cidades fronteiriças à Argentina, Uruguai e Paraguai, como Santana do Livramento e Foz de Iguaçu, no Paraná.

A comunidade judaica brasileira, pelo último censo do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010) teria 107 mil membros. Mas, no site do Congresso Mundial Judaico (WJC, na sigla em inglês), na página dedicada ao Brasil, a Conib apresenta o número atualizado de 92 mil, a maioria residente nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Em Israel, atualmente vivem em torno de 15 mil brasileiros.

terça-feira, 7 de novembro de 2023

Israel x Hamas: Seção de Leitores é front de antissemitismo

/  Sheila Sacks  /


Passados quatro semanas de guerra, editorial de uma das maiores redes de mídia nacional exalta a convivência pacífica entre judeus e árabes ( Antissemitismo ressurge sob disfarce de ‘antissionismo’, em 05.11.2023 – O Globo).

Entretanto, nesse período e provavelmente nos dias que estão a seguir, dezenas de mensagens antissemitas e perversas, embaladas como cartas de leitores indignados com as ações de defesa de Israel, ajudam a distorcer a situação no Oriente Médio com ataques virulentos, palavras truculentas, respingando sangue e ódio, e até disseminando mentiras direcionadas ao estado sionista, que em essência se traduz no milenar preconceito contra os judeus.

Em contraposição, cartas em prol ao direito de um estado democrático - sabidamente com as fronteiras coalhadas de grupos terroristas apoiados por estados árabes ditatoriais – de reagir a uma invasão bárbara que desembocou numa carnificina dantesca, com a decapitação de bebês, pessoas mortas a tiros, esfaqueadas e queimadas, estupros, sequestros de crianças, jovens e idosos, em uma matança a sangue frio comemorada pelos assassinos em ligações de celulares aos parentes em Gaza; pois bem, nessas ditas cartas em defesa de Israel, observa-se um acanhamento linguístico e  um cerceamento de respostas certeiras, sinais reveladores da afiada triagem e do vil aval de “bom comportamento” necessários para as mensagens serem publicadas.

O que significa para os defensores de Israel operacionalizar pesquisas e narrativas bíblicas, justificativas históricas, bibliografias sobre a solução de dois estados (aliás, nunca compartilhada pelos palestinos que abertamente pregam a eliminação de Israel), referendar a cultura da paz em meio a uma carnificina humana impensável, e até dar um tom didático à polêmica fabricada nos arsenais de propaganda dos divisionistas sobre o diferencial de identidade dos judeus da Diáspora em relação aos judeus israelenses. Todo esse aparato na tentativa desesperada de conquistar algumas linhas no terreno minado posto a serviço escancarado de um dos lados.

É sabido que o partido do atual governo tem um histórico de apoio aos palestinos, ainda que estes advoguem o extermínio de Israel e eduquem suas crianças nas cartilhas do ódio e do preconceito. Mas, não se pode ser tão dissimulado a ponto de fingir que o Hamas e o povo palestino são coisas distintas. O Hamas está no poder desde 2006 quando foi eleito pela população, que o apoia e protege. Um enredo que se quer embaralhado no intuito de confundir, tal qual o citado editorial e o espaço dos leitores. As duas seções convivem sob as diretrizes dos mesmos editores e aludir à liberdade de expressão para justificar opiniões descabidas e antissemitas, é tornar o conceito elástico e sem limites. Quem abre espaço para a publicação de um editorial que ergue a bandeira da tolerância e da paz (‘O Brasil sempre seguiu um caminho de tolerância’), e permite, nas páginas posteriores, indivíduos chamados leitores atearem fogo com inverdades plantadas principalmente em redes sociais, está mantendo um jogo duplo muito similar aos que clamam por uma pátria independente condicionada à destruição do país vizinho.

O texto em questão se inicia fazendo um apanhado, em números e percentagens, do insidioso aumento de incidentes e crimes de ódio ocorridos contra os judeus na França (189 ataques)  Reino Unido (805), Alemanha ( 240% a mais) e EUA (312 casos) desde o massacre de 7 de outubro, comparando-os as poucas situações divulgadas no Brasil. Mas, é preciso observar que nesses países, líderes dos partidos do governo não deram declarações antissemitas afrontosas como fez, por exemplo, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, se utilizando impunemente da palavra genocídio para atacar Israel. Ou a tesoureira do PT e “conselheira de Itaipu”, Gleide Andrade, que após cobrir de injúrias o estado de Israel em postagens estúpidas, desrespeitosas e desavergonhadas, “apagou as publicações e se desculpou”.

Antes, o presidente brasileiro, a quem não se permite ser mal informado, classificou de “insana” a resposta militar de Israel à barbárie do Hamas. Não satisfeito, mais adiante repetiu a ladainha do PT e chamou de “genocídio” as ações israelenses, o que de acordo com o editorial não foi de bom tom: “Usar o termo genocídio nesse caso não é apenas incorreto, mas também ofensivo”, considerou o jornal.

Outros representantes de partidos solidários ao governo, como o PSOL, numa imitação bizarra de protestos de extremistas fundamentalistas, atearam fogo à bandeira de Israel. Membros do PCO, Partido da Causa Operária, esbanjaram dinheiro do trabalhador na publicação de panfletos pedindo “o fim” de Israel.

Por fim, o editorial conclui que a solução está na conivência pacífica de dois estados, “lado a lado”, e que o Brasil deve se concentrar neste tópico nos fóruns internacionais. “Deve pregar a tolerância que vivemos aqui”, aconselha. “É uma lição que apenas o Brasil pode dar às outras nações.”

Porém, o que o editorial não aborda,  mas vale registrar, é  que durante esse outubro sanguinário o Brasil esteve na presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU e tentou emplacar uma resolução de cessar-fogo em que não condenava explicitamente o ataque terrorista do Hamas. Mas esse detalhe, que somou páginas na imprensa, passou ao largo da edição. Assim como o diabólico sequestro de mais de 240 pessoas, arrancadas selvagemente de suas casas, das ruas, de um festival de música.  Também não teve menção a incômoda situação da diplomacia brasileira que até este 7 de novembro prossegue em suas tratativas de retirada de um grupo de palestinos de dupla nacionalidade da Faixa de Gaza. Talvez, o oportuno e amigável texto de boas-vindas à tolerância reservada aos judeus brasileiros possa ajudar nesse sentido.

Então, o abre-alas à tolerância que de modo geral existe no país e o puxão de orelhas aos partidos de esquerda nacional que, segundo o editorial, dão os ombros para o preconceito contra os judeus, soam pouco convincentes considerando que a mesma mídia alimenta um reduto de guerra desleal sob o aparente manto de imparcialidade.  Um ambiente, com o singelo título de “Leitores” e o subtítulo “Mensagens”, em que se permite soltar as feras e aventar suposições infames, como a emitida por uma leitora que se intitula Patrícia, e declara despudoradamente que o massacre de 7 de outubro pode ter tido a facilitação de Israel (em 30/10).

Tal afirmação, que se constitui em calúnia, ao ganhar o sinal verde para publicação, depõe contra a seriedade e imparcialidade dos editores. De resposta a tamanho disparate, apenas uma única mensagem publicada com o cândido argumento de que os judeus não seriam capazes de tal ato, visto que valorizam a vida humana. O que suscitou, no dia seguinte, a réplica esperta e contundente de um missivista militante que mais uma vez repisou o mantra mentiroso e capcioso de diferenciação entre judeus da Diáspora e judeus de Israel, e, por conseguinte, a surrada falácia de dissociação entre antissemitismo e antissionismo.

Enfim, nesse contexto ambíguo e tendencioso, onde os editores se deixam levar pela parcialidade ideológica que promove, sim, o antissemitismo cotidiano percebido em olhares, gestos e atitudes sutis, ou não tão sutis - como foi o caso de um motorista de aplicativo no Rio que diante de um jovem estudante de escola judaica, uniformizado, recusou sua entrada no veículo por ser judeu *- , sábias e atuais permanecem as palavras de Winston Churchill, peça-chave na vitória dos aliados na Segunda Guerra. Para o ministro britânico, “quanto mais longe você puder olhar para trás, mais longe você poderá ver à frente”. Que assim seja !

* Segundo o jornal israelense Jerusalem Post, aumentaram em 760% os incidentes antissemitas no Brasil, nos últimos três anos, a maioria em escolas envolvendo estudantes judeus.

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Cartilhas do ódio promovem o antissemitismo no Oriente Médio

Crianças palestinas, no período escolar, são induzidas à intolerância e violência

/   Sheila Sacks  /



Operando 702 escolas que atendem 526 mil alunos palestinos na Faixa de Gaza, Cisjordânia e crianças de famílias que se autodefinem como refugiadas em países como o Líbano, Síria e Jordânia, a agência da ONU de Assistência aos Refugiados Palestinos – UNRWA (United Nations Relief and Works Agency) tem em seus quadros 19.877 professores de um total de 30 mil funcionários.

Criada em 1949 para ser uma agência de ajuda temporária, o órgão oficial da ONU virou uma serviço vitalício sustentado por doações de governos que pouco fiscalizam o real destino dos recursos enviados. Segundo relatório divulgado pela organização UN Watch, com sede em Genebra, a UNRWA mantém 133 educadores e funcionários que promovem o ódio e a violência nas redes sociais, e mais 82 professores e funcionários afiliados a mais de 30 escolas que estão envolvidos na elaboração, supervisão, aprovação e impressão e distribuição de conteúdo antissemita para os estudantes.

Em 30 de março, por ocasião da 52.ª Sessão do Conselho dos Direitos Humanos, que reúne 47 países-membros, representante da UN Watch denunciou mais uma vez a contratação pela UNRWA de professores que incitam abertamente o racismo, o ódio e a violência. O relatório de 100 páginas documenta como os professores e as escolas dessa agência recorrem regularmente ao assassinato de judeus e criam material de ensino que glorifica o terrorismo e encoraja o martírio.

O relatório identifica mais de 200 perpetradores e capta provas recolhidas no interior das salas de aula da UNRWA, incluindo imagens de quadros negros mostrando o ensino de matérias que exaltam terroristas como Dalal al-Mugrabi, da OLP, morta em um ataque em 1978,  depois de sequestrar, junto com mais 10 terroristas, um ônibus em uma rodovia israelense e assassinar 38 civis, sendo 13 crianças.

Outro terrorista, Diaa Hamarsheh, autor de um ataque suicida na cidade de Bnei Brak, em março de 2022, que matou quatro civis israelenses e um policial, também é glorificado por um professor de matemática da UNRWA, na Síria. Foram documentadas 47 postagens desse teor em uma flagrante violação das declaradas políticas de tolerância zero apregoadas pela agência em relação ao racismo, à discriminação e ao antissemitismo.

Nada muda


Apesar das constantes notificações por parte da UN Watch - organização credenciada pela ONU cuja missão é monitorar as ações dessa instituição internacional em relação à promoção dos direitos humanos, atuando igualmente no combate ao antissemitismo e aos que atacam o estado de Israel - ninguém é afastado ou demitido, as agressões sendo minimizadas como triviais infrações nas redes sociais.

Fundada em 1993 pelo advogado e ativista de direitos civis Morris B.Abram, falecido em 2000, a UN Watch tem status consultivo especial no Conselho Econômico e Social da ONU (ECOSOC) e está associada ao Departamento de Informação Pública (DPI). Seu diretor executivo, o advogado e ativista de direitos humanos Hillel Neuer, nascido no Canadá, está na lista dos “100 judeus mais influentes do mundo" organizada pelo jornal israelense Ma'ariv.

Em abril, o jornal alemão Bild publicou reportagem investigativa sobre o material didático utilizado nas escolas da UNRWA, onde a maioria dos professores é palestina. Com base em dados da UN Watch e da ONG israelense IMPACT-se (Instituto de Monitoramento da Paz e da Tolerância Cultural na Educação Escolar) foram narradas situações em salas de aula que escancaram o preconceito e a intolerância. Em um exercício para alunos da nona série, em Gaza, por exemplo, um incêndio criminoso em um carro que transportava judeus é referido como “churrasco”, em tom de zombaria.  Em outra escola, alunos da sexta série são instados a promover uma jihad pela pátria, destacando que os mapas usados em diversas escolas da UNRWA não mostram Israel. Em paralelo, os judeus são apresentados como pessoas gananciosas, desonestas e brutais.

Em relação às postagens em redes sociais, um professor de uma escola em Aleppo, na Síria, publicou no Facebook uma foto de Hitler dormindo, com o comentário de que “ele devia acordar, porque ainda existem pessoas para serem queimadas”.  Outro professor de uma escola na Cisjordânia postou que o projeto dos Emirados Árabes foi iniciado por “judeus ricos”. E mais um  suposto educador de uma escola no Líbano glorifica o terrorista Ibrahim al-Nabulsi, morto em agosto de 2022, antigo comandante das Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, o braço armado do Fatah.

A matéria também lembra que a Alemanha contribui para o financiamento dessas escolas, classificadas pelo jornal como “centros de ódio”, através do Ministério Federal Alemão para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (BMZ).  Em 2022, de acordo com a própria UNRWA, a Alemanha pagou 180 milhões de euros a projetos geridos pela agência, incluindo cinco milhões de euros para uma nova escola para meninas em Gaza.

Durante o governo Trump, os EUA suspenderam a ajuda à UNRWA, mas em 2021, com Biden no poder, o presidente americano anunciou para aquele ano um pacote de assistência humanitária e econômica para os palestinos  no valor de US$ 235 milhões (R$ 1,3 bilhão), sendo que US$ 150 milhões destinados  especificamente à agência.

Os Estados Unidos, a União Europeia e a Alemanha estão entre os principais financiadores da UNRWA. Antes de apresentar o relatório no Conselho dos Direitos Humanos da ONU, a UN Watch e a IMPACT-se estiveram no Congresso americano conversando com vários congressistas e também agendaram uma reunião com o Comissário Geral da UNRWA, Philip Lazzarini, para expressarem suas preocupações sobre os materiais de ódio institucional produzidos pelos departamentos de educação da agência da ONU, disponíveis gratuitamente online. Porém, o comissário recusou o encontro.

Com um orçamento de 1,6 bilhão de dólares, quase 60% destinados à educação, a UNRWA pode ser o empreendimento educacional mais fortemente financiado na história da ajuda internacional. É o que afirma Marcus Scheff, diretor executivo da ONG israelense.

Segundo a UN Watch, os montantes prometidos para 2022 incluíam 344 milhões de dólares dos Estados Unidos, US$ 122 milhões da Alemanha, US$ 107 milhões  da Comissão Europeia, US$ 61 milhões da Suécia, US$ 17 milhões do Reino Unido, US$ 24 milhões da Suíça, US$ 32 milhões da Noruega, US$ 28 milhões da França, US$ 24 milhões do Canadá e US$ 15 milhões da Holanda.

“Em todo o mundo, os professores que instigam o ódio e a violência são afastados. No entanto, a UNRWA, apesar de proclamar “tolerância zero” ao incitamento, emprega sistematicamente pregadores do ódio e do terrorismo antijudaicos”, reforça Neuer. São supostos educadores que glorificam o terrorismo, pregam a violência, demonizam o estado de Israel e propagam o antissemitismo. 

Em discurso no plenário do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em 2019, a cientista política Einat Wilf, coautora da obra "A Guerra do Retorno "- que aborda o pensamento coletivo dos palestinos de que Israel não deve existir - , também denunciou a UNRWA como um empecilho para a paz. "A  UNRWA alimenta o conflito há décadas com a ideia beligerante de um 'direito de retorno' de milhões de palestinos", afirmou. "Se quisermos a paz, a UNRWA precisa acabar." 

No horrendo ataque terrorista do Hamas a Israel, em 7 de outubro, quando bebês foram degolados, mais de 1.300 judeus assassinados, muitos amarrados e queimados, 3 mil pessoas feridas, centenas delas em estado grave, e  200 israelenses e estrangeiros brutalmente sequestrados,  professores da UNRWA celebravam nas redes sociais a carnificina.  A plataforma digital da UN Watch documentou essas postagens, com as fotos dos professores ao lado do logo de identificação da UNRWA, em uma vergonhosa apologia à barbárie. Entre elas, a da diretora de uma escola, Iman Hassan, que comemora o assassinato dos bebês como uma "retribuição das injustiças". E ainda curte um post da amiga que escreve "queimar, queimar, queimar". 

Sob o título ”Funcionários da ONU celebram massacre do Hamas”, a matéria traz o retrato real de uma sociedade fanatizada pelas mentiras e calúnias, que a partir da escola e de seus professores doutrinam as crianças para a violência, o ódio e o antissemitismo, enaltecendo a jihad e o fundamentalismo religioso como ideologias bélicas.


quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Os discursos na ONU e o mundo do apocalipse

 /  Sheila Sacks  /


Anualmente, setembro em Nova Iorque é o mês em que a cidade recebe um ajuntamento de chefes de Estado, embaixadores e líderes mundiais para a abertura dos trabalhos da ONU. Um palanque mundial de excelente visibilidade midiática para discursos politicamente corretos sobre temas atuais ou universais. É de bom tom falar de proteção ao meio ambiente, preservação climática, desenvolvimento sustentável, saneamento básico, justiça igualitária, combate à fome, subemprego e desigualdade social ,entre outras pautas orientadas pela realidade, bom senso, humanismo e civilidade.

A oportunidade também é usada de fato como palco para lideranças diversas defenderem e justificarem pontos de vista e ações que, apesar de resultarem em atos moralmente condenáveis, contam com o disfarçado beneplácito de um punhado de nações  que se escudam em conceitos consagrados de não intervenção para se absterem de críticas e iniciativas mais contundentes. Um comportamento propositadamente acanhado, que de certa forma abre caminho para a violência.

O papel da mídia convencional nesse contexto é relevante, apesar da força e influência, cada vez mais potente, das redes sociais. A disseminação da desinformação não é mais produzida por amadores e o mercado das fake news opera em paralelo com a produção da informação divulgada pela imprensa.  O ardil das fake news não é se constituir em uma mentira escandalosa e sim irradiar as torpes meias verdades,  contar apenas um lado da história, deturpar os fatos e criar um jogo de imagens através da linguística no sentido de  caluniar, desestruturar, desestabilizar e ilegitimar o alvo das agressões.

O estado de Israel, desde a sua fundação em 1948, tem enfrentado ações políticas por parte de alguns governos que questionam suas ações de defesa  e iniciativas de segurança para proteger e preservar  a população civil do país. São nações que compõem a ONU e cujos líderes  trabalham oficialmente e nos bastidores para criar situações de conflitos, constrangimentos e de impasses no intuito de solapar uma saudável convivência diplomática. Bem ao contrário do que deveria ser,  perseveram para tornar cada vez mais espinhosa o trato cotidiano de Israel nessa Organização e em seus Conselhos,  assim como em outras entidades de amplitude internacional, como a Unesco.

Disso resulta um aumento no antissemitismo global, não importando que argumentem que as hostilidades são direcionadas para o estado sionista e que não abrangeriam os judeus da Diáspora. Uma falácia, de uma série de outras inverdades, visto que até em salas de aula do Oriente Médio são propagadas as mesmas surradas mentiras acompanhadas de preconceituosas caricaturas sobre os judeus, replicando os obscuros séculos medievais dominados pela ignorância e fanatismo.  Invencionices já desmentidas e desmascaradas ene vezes sobre pretensas conspirações e mirabolantes planos de domínio mundial que persistem agora nos labirintos digitais das redes sociais com o precípuo intuito de acirrar a desconfiança e o ódio que atingem em cheio às comunidades judaicas no mundo.

Atos de vandalismo se sucedem  não somente em países totalitários, mas em nações democráticas onde a diversidade de ideias e a aceitação do outro em sua identidade de raça, cor e religião são louvadas e protegidas em artigos, parágrafos  e incisos de suas Cartas Constitucionais. Isso, porém, não impede pichação de túmulos em cemitérios e em muros de sinagogas, agressões físicas em ruas, campus ou nas proximidades de colégios e centros sociais judaicos, formando um sentimento de ambiente hostil que requer constante e rigorosa vigilância, principalmente nos grandes eventos que reúnem um número considerável  de pessoas.  A presença de crianças e idosos não são empecilhos para atentados brutais.  A história ao longo do tempo é uma demonstração inequívoca desse status quo abominável, com a sucessão de tragédias infligidas pelo homem a outros seres humanos.

De Roma, nos primórdios da Era Comum, à Inquisição e ao Holocausto, o Mal em sua essência mais cruel e aterradora atingiu picos inimagináveis em sua trajetória de aniquilar milhões de pessoas se utilizando de métodos carniceiros impiedosos.  Mas, desde 1948, a preservação das comunidades judaicas tem no estado de Israel a sua ponta de lança e essa certeza deve servir de bússola  aos judeus da Diáspora no que tange à união e apoio aos seus governos.

Como uma nação democrática, Israel apresenta partidos políticos, correntes religiosas, cidadãos de origens e pensamentos diversos e governos eleitos por uma maioria. Pontos de vista diferentes não devem se alçar como motivo maior para que, ingenuamente, militantes judeus de variadas causas se juntem ao coro daqueles que tem um propósito definido contra a existência do estado de Israel. Vivemos em um ambiente de guerra não declarada e a mídia, se utilizando de noticiais tendenciosas, e as redes sociais, munidas de fake news, manipulam  armamentos que impulsionam o ódio e a beligerância.

O monitoramento constante de organizações judaicas não tem tido o efeito de extirpar esse terrível cancro de nossas sociedades. Instituições como a HonestReporting ,instalada oficialmente em Toronto, no Canadá, em 2003, trabalham diligentemente em sua missão de garantir a verdade, a integridade e a justiça, combatendo o preconceito ideológico no jornalismo e na mídia em geral. O jornal Jerusalem Post, face o aumento das fake news nas plataformas sociais e a visão nem sempre fiel e imparcial por parte da imprensa convencional,  retornou com a coluna semanal De Olho na Mídia, editada por David Bar-Illan, ex- diretor de Comunicações de Benjamin Netanyahu  e editor-chefe do jornal, de 1992 a 1996.

Outra iniciativa recente foi a publicação de uma carta aberta assinada por mais de uma centena de lideranças judaicas, a maioria de rabinos americanos, para Elon Musk, dono do antigo Twitter - rebatizado de X em julho deste ano -, denunciando um relevante aumento  de discursos antissemitas nesta mídia social que tem 155 milhões de seguidores. A campanha X Out Hate pede providências e mudanças na rede como forma de evitar a radicalização crescente que impulsiona a violência. Ressalta ainda a presença de declarados neonazistas  nesse espaço digital, disseminando suas teorias de preconceito e ódio. Um desafio para as nações democráticas que dispõem em suas Constituições a assertiva que garante a seus cidadãos exercerem a livre manifestação do pensamento, a tão aclamada liberdade de expressão.

Sem governos, sem nações, sem internet

Em um exercício de imaginação onde o mundo é despojado de governos e nações, sucumbido por um fungo da espécie Cordyceps, que transforma literalmente o homem que conhecemos em um monstro devorador de sangue humano, a série americana The Last of Us (O Último de Nós), de 2023 (baseado em um game de 2013) apresenta um planeta apocalíptico onde preocupações éticas e morais se revelam perturbadoras e ineficazes para a sobrevivência.

As sociedades organizadas e coletividades se extinguiram assim como as leis que inibem a desordem e os crimes. Conceitos que norteiam o espírito do coletivo desapareceram e ações individualistas e grupos paramilitares, ambos sem freios, atuam na terra devastada. De coletividade, o roteiro apresenta uma, dominada pelo medo e controlada por um embusteiro que usa a religião para exercer o seu domínio.


Com as cidades bombardeadas e destruídas no afã de eliminar as pessoas contaminadas pelo fungo, que se aloja no cérebro e transforma o comportamento humano, o mundo se despe de todas as necessidades apregoadas e julgadas imprescindíveis antes da epidemia mortal.  Bancos, shoppings, supermercado, celular, internet, governos, mídia, redes sociais, enfim, as sociedades evoluídas tecnologicamente não mais existem.  O escopo agora é evitar a contaminação e tentar sobreviver à desordem e ao caos impostos pela pandemia em um planeta sob escombros.

Nesse cenário de catástrofe, a recente epidemia da Covid 19 – que já infectou 770 milhões e causou 6,9 milhões de mortes, desde dezembro de 2019 quando o coronavírus SARS-CoV-2 foi identificado na China - parece um ameno trailer face aos estragos que um fungo metamorfoseado pelo aquecimento terrestre é capaz de produzir.      

Em entrevista à plataforma CNN Brasil, o cientista da Fiocruz, Evangelista Oliveira, afirma que a evolução dos fungos realmente representa uma preocupação.  No caso específico do Cordyceps, o fungo é conhecido pela sua capacidade de infectar insetos, como as formigas, e controlar o comportamento do hospedeiro que se torna um tipo “zumbi”.

Diferente da série, o fungo ainda não é capaz de infectar humanos devido à alta temperatura corporal. No entanto, o fungo tenta se adaptar ao ambiente em que ele se encontra e já provocou uma infecção grave no cérebro e meninges (meningoencefalite) de uma paciente no Rio, ocasionando a sua morte.  O caso foi reportado, em 2022, para a revista científica International Journal of Infectious Diseases (ISID).

“A narrativa ficcional cria um contexto em que essa espécie consegue evoluir ao longo do tempo devido às mudanças climáticas e ao aquecimento global, adquirindo uma capacidade de parasitar humanos e de controlá-los”, destaca a reportagem da CNN (The Last of Us: cientistas revelam quais são os fungos mais perigosos do mundo, em 22/01/2023).  

O criador do game e roteirista da série, o israelense Neil Druckmann, 44 anos, e o seu parceiro Craig Mazi, desenham um planeta cruel e ameaçador , com traços de um companheirismo egoísta e rude. Residindo nos Estados Unidos desde os dez anos, Druckmann chegou a encostar rapidamente no tema do preconceito, ao sugerir que uma jovem negra, amiga da protagonista, foi destacada para o trabalho de limpeza de fossas pelo grupo paramilitar, talvez em razão da cor da pele.

Em entrevista à revista americana GQ, ele conta que resolveu mergulhar no mundo dos quadrinhos e dos jogos eletrônicos ainda garoto para se distanciar do mundo real. Nascido em Beit Aryeh, perto da fronteira norte com a Cisjordânia, ele lembra que vivia rodeado de situações e notícias sobre conflitos. Já nos Estados Unidos, aconteceu de assistir um vídeo de linchamento que o marcou sobremaneira. Então, justifica, passou a refletir sobre esses fatos,“ a universalização do tribalismo, a alteridade das minorias, as justificativas das atrocidades”, e explorar nas histórias  “temas de retribuição, vingança e justiça.” Em dez anos, o game já vendeu 37 milhões de cópias.

Mas, como ninguém escapa da dita vida real, aquela a qual estamos inseridos fisicamente, Druckmann também foi alvo de ataques antissemitas quando do lançamento da segunda parte do game The Last of Us, em 2020. Ele compartilhou no Twitter as mensagens e caricaturas recebidas que registrou como “vis, odiosas e violentas”.

Neste contexto de intimidações sistemáticas em um mundo desigual e pouco justo, cabe afirmar que o monitoramento e combate ao antissemitismo precisa seguir adiante, entendido como um compromisso coletivo permanente de salvaguarda da dignidade e respeito que cada ser humano é merecedor.