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terça-feira, 5 de abril de 2016

A matemática da esperança



Professor usa tempo livre para ensinar matemática ao pessoal da limpeza da universidade

Por Sheila Sacks

O jornal espanhol La Vanguardia, de Barcelona, abriu espaço para contar uma história pouco comum nos dias atuais e que acontece na Universidade Bar Ilan, em Ramat Gan, perto de Tel Aviv: um catedrático de matemática pura, Shai Gol, de 38 anos, ministra aulas gratuitas para um grupo de faxineiras, a maioria de jovens mulheres árabes, que trabalha na limpeza do complexo universitário. As aulas acontecem duas vezes por semana, no horário do lanche matinal.

A iniciativa pessoal do professor transpôs os limites do campus da universidade, uma das mais prestigiadas de Israel, e chegou aos ouvidos do jornalista Henrique Cymerman Benarroch, correspondente do La Vanguardia na terra santa.  Na reportagem publicada no início de 2016 – “Robin Hood en la universidad” -, o professor Gol explica que sempre observava as mulheres, de origem muito humilde, com o tradicional hijab (véu) cobrindo a cabeça, muitas delas oriundas de Jishr az-Zarga ( um povoado árabe no norte do país), no seu afã diário rodeadas de produtos de limpeza.  Ele explica que o alojamento delas fica em frente à biblioteca onde costuma despender horas pesquisando e estudando. “Um dia decidi que não podia mais ignorá-las”, conta o professor.

Duas alunas de Gol, uma árabe israelense, Arifa Amassh, e outra judia israelense, Jemda Jubran, revelaram que inicialmente não levaram a sério a proposta do professor. Tanto assim que recusaram a oferta, na primeira tentativa de aproximação. Depois, com a insistência de Gol e o interesse manifesto de outras colegas, o curso de matemática foi instalado com a participação de alguns homens que também executam serviços de limpeza.

Universitários apoiam
  
Apesar da imensa vontade de ajudar essas mulheres pouco capacitadas, devido basicamente a sua precária condição social, o professor Gol teve receio de que seu gesto não fosse bem aceito pela direção da universidade. Isso porque elas residem em locais distantes, acordam muito cedo, iniciam o serviço às 4 da manhã, e muitas fazem jornadas diárias de até 12 horas (recebem 7 euros por hora, cerca de 28 reais). Com as aulas ocorrendo no período do lanche, às 9 horas da manhã, quando as empregadas têm a oportunidade de comer e descansar, a ideia do curso poderia sofrer restrições.

Entretanto, o professor virou herói para os universitários e para a própria turma da limpeza que jamais havia sonhado em receber aulas de um catedrático. Muitas alunas somente agora começam a aprender a fazer contas e ter noções de economia básica. “Elas estão sedentas por aprender, diz o professor. Mais até que os meus alunos universitários. Às vezes, antes da aula começar, elas abrem os cadernos e repassam a matéria ensinada na aula anterior”, elogia.

Atentados não interrompem aulas

Para Arifa, que levou o marido para conhecer o professor, as aulas são como “um presente bonito que recebeu”, pois atualmente quando vai ao supermercado já sabe calcular o que vai gastar. Com 28 anos e mãe de cinco filhos, ela somente nesse estágio da vida está tendo a oportunidade de estudar. Mesmo com o clima de desconfiança que atinge os judeus israelenses diante da onda de ataques à faca praticados por extremistas árabes, desde outubro de 2015, Gol não desiste de sua tarefa. Quando percebeu que parte das empregadas árabes se ausentou das aulas em razão dessa situação de violência nas ruas, ele as procurou por todo o campus e as convenceu de continuarem participando das aulas normalmente, sem constrangimento.

Outras empregadas, temerosas pelo clima de beligerância, simplesmente deixaram de ir ao trabalho. O professor israelense não se amedrontou e foi até a aldeia de Jishr az-Zarga para dar aulas as suas alunas. Ele afirma que o seu objetivo ao ensinar voluntariamente ao grupo é mostrar que o trabalho de limpeza não precisa ser o destino final de suas vidas.


A história de Shai Gol foi mostrada na TV israelense, em dezembro do ano passado, e atualmente ele estendeu as aulas ao pessoal da limpeza do Hospital Tel Hashomer, que fica perto da universidade. Para isso, ele recebe a ajuda valiosa de estudantes universitários da carreira de matemática que aderiram à iniciativa. É o que revela a jornalista Deborah Danan para o site americano de notícias “Breitbart”, na reportagem “Jewish Educator Volunteers to Teach Math to Arab Cleaners at Israeli University” (Voluntários do professor judeu ensinam matemática para as faxineiras árabes em universidade israelense, em tradução livre) que acrescenta novos detalhes sobre a evolução do trabalho solidário do professor Gol.

Publicado no Observatório da Imprensa, sob o título "Robin Hood acadêmico"