linha cinza

linha cinza

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Perseguição à Fé Bahá'í no Irã

Por Sheila Sacks


Publicado no "Correio do Brasil"


Em maio deste ano foi lançada uma campanha global para a libertação imediata de sete líderes da Fé Bahá’í, presos há noves anos no Irã, acusados de serem inimigos do Islã. O chamamento intitulado “Outro Ano, Não” pretende pressionar o governo de Teerã a libertar os cinco homens e duas mulheres condenados inicialmente a vinte anos de prisão. Com a redução da sentença, em 2015, para dez anos, por conta da aplicação de um novo código penal iraniano, o apelo é para que o grupo seja solto ainda este ano.

A comunidade internacional Bahá’í congrega mais de 5 milhões de adeptos em mais de 160 países, notadamente na Índia e no Irã. No Brasil, são mais de 65 mil pessoas de diferentes classes sociais, culturais e econômicas residentes em 1.300 municípios, do norte ao sul do país. Suas ações são direcionadas para os campos do diálogo inter-religioso e da promoção da igualdade racial, trabalhando em parceria com ONGs e instituições governamentais pela defesa dos direitos humanos, do desenvolvimento sustentável e da boa governança.

Uma fé perseguida

De acordo com o site oficial da comunidade Bahá’í, a sua fé é uma religião mundial independente, com leis próprias e escrituras, surgida na antiga Pérsia, atual Irã, em 1844. Foi fundada por Bahá’u’lláh (do árabe ‘A glória de Deus’), título de Mirzá Husayn Ali (1817-1892), e não possui dogmas, rituais, clero ou sacerdócio. Sua sede permanente está localizada no Centro Mundial Bahá'í,  na cidade de Haifa, um dos motivos da perseguição aos seus fiéis residentes no Irã, acusados de serem agentes pró-Israel e inimigos do Islã. No entanto, muito antes da existência do estado de Israel, a Fé Bahá’í estava presente naquele território. Isso porque os seus fundadores foram exilados e presos na colônia penal de Acre, na então Palestina, em 1868, 80 anos antes da independência de Israel, ocorrida em 1948. 

Vítimas de perseguições, os bahá´ís foram obrigados a deixarem o Irã, principalmente na década de 1950, durante o governo do Xá Reza Pahlevi, intensificando o  êxodo a partir de 1979, com a instalação da República Islâmica do Irã, do Aiatolá Khomeini. Nesse regime teocrático e fundamentalista, os bahá´ís iranianos são acusados de “infiéis” e “hostis”, e a sua comunidade de mais de 300 mil pessoas vive em permanente estado de opressão e precariedade religiosa, social e jurídica.

Em sua página oficial, a Fé Bahá’í descreve a situação crítica de seus adeptos no Irã, considerados inimigos do Estado: Desde a revolução, mais de 220 líderes da comunidade bahá’í foram mortos, locais sagrados demolidos, jovens expulsos de universidades, crianças maltratadas nas escolas, cemitérios destruídos, além da perda do direito ao trabalho, às pensões e aposentadorias.” Outro fato inédito a destacar é que os acusados não podem ter advogado de defesa.

Em razão dessa situação dramática, cerca de uma centena de bahá'ís iranianos receberam refúgio no Brasil na década de 1980. Eles se juntaram à comunidade bahá’í brasileira, cujo início remonta ao ano de 1921, quando da instalação do primeiro grupo bahá’í na cidade de Salvador, na Bahia.

Apelo Universal

Quando do lançamento da campanha pela libertação dos sete religiosos, a principal representante da Comunidade Internacional Bahá’í nas Nações Unidas, a advogada indiana Bani Dugal, exaltou a coragem do grupo e o sofrimento de suas famílias. “A nossa expectativa é que estes sete corajosos indivíduos sejam libertados até o próximo ano, ao completarem as suas penas, apesar de que, na verdade, eles não deviam sequer ter sido presos.” 

A representante fez, ainda, um relato dramático da situação dos condenados: "Os sete eram casados, com crianças, e antes de serem presos tinham vidas familiares muito queridas. Os sete eram também extremamente ativos e trabalhavam pela melhoria da sua comunidade e da sociedade iraniana como um todo. O longo período de prisão implicou, entre outras coisas, que perdessem o nascimento de netos, os casamentos dos filhos e parentes próximos, e os funerais de familiares e amigos."

Além dos sete Yaran (‘Amigos que ajudam’), como é conhecida a liderança bahá’í, mais 86 outros fiéis permanecem presos no Irã unicamente pelas suas crenças religiosas. Em 2009, após anos de luta na defesa dos bahá’í e contínuas ameaças de morte, a juíza iraniana Shirin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz de 2003, teve que procurar refúgio na Inglaterra. “De fato, toda a comunidade bahá’í iraniana está sujeita à injustiça e crueldade, à opressão e tirania“ reforça Bani Dugal. ”Todos enfrentam políticas injustas de estrangulamento econômico, a negação de acesso ao ensino superior, e ataques maliciosos – que as autoridades não investigam - contra as suas propriedades, para não mencionar uma intensa propaganda negativa nos meios de comunicação oficiais”, acrescenta.
  
Em comunicado oficial, a “Casa Universal da Justiça”, instituição máxima da Fé Bahá’í, instalada no Monte Carmel, em Haifa, atribui ao “fanatismo rígido” dos dirigentes iranianos a conduta “irracional” de sufocar a minoria bahá’í, utilizando-se de “políticas tacanhas” que minam a credibilidade do país na esfera internacional. Composta por nove membros eleitos a cada cinco anos, a instituição exerce funções legislativa e jurídica, publica livros e documentos e administra todas as questões mundiais da fé em questão.

Os presos e suas famílias

Há dois anos, a jornalista nascida em Angola, Margarida Santos Lopes, que foi editora internacional do jornal “Público”, de Lisboa, e é especializada em assuntos que envolvem o Oriente Médio e o Islã,  publicou em seu blog um texto em que registra o perfil biográfico dos presos ( ‘Bahá’ís: Perseguidos no Irão, nem sempre amados em África’, em maio de 2015).  De início, ressalta a detenção de Mahvash Sabet, de 64 anos, professora e  responsável durante quinze anos pelo Instituto Bahá’í do Ensino Superior (atualmente fechado) onde lecionava Psicologia e Gestão. A organização educacional era uma alternativa acadêmica aos jovens bahá’ís proibidos de frequentar universidades nacionais.

Relata a jornalista que em 5 de Março de 2008, Sabet foi convocada pelo Ministério da Segurança, na cidade de Mashad, para responder a questões relacionadas com um funeral bahá’í. “Foi o início de uma campanha que levaria para a infame penitenciária de Evin, es filhos; o empresário Jamaloddin Khanjani, 81 anos (a sua mulher morreu em 2011, mas em Terã, todos os sete Yaran , detidos nas suas casas, na capital, em 14 de maio, afirma.

E prossegue: “À Mahvash Sabet juntaram-se a psicóloga Fariba Kamalabadi, 52 anos e trêle não foi autorizado a assistir ao enterro) e quatro filhos; o industrial a quem foi negado o sonho de ser médico Afif Naeimi, 53 anos e dois filhos; o engenheiro agrónomo Saeid Rezaie, 57 anos e três filhos; o assistente social forçado a ser carpinteiro Behrouz Tavakkoli, 63 anos e dois filhos; e o optometrista Vahid Tizfahm, 42 anos e um filho”, denuncia Margarida Lopes.

Lamentavelmente, a jornalista que tem uma posição bastante crítica em relação ao estado de Israel e que esteve recentemente no Irã para a revista de viagens “Volta ao Mundo”, não cita os bahá’is na interessante reportagem de exaltação à beleza natural, arquitetônica e histórica do país, apesar de detalhar um roteiro que inclui a localização dos vários grupos étnicos e religiosos que habitam a região ( ‘Uma viagem ao Irã que nunca viu’, em 19 de junho de 2017).

No entanto, os bahá’is são a maior minoria religiosa do Irã e seus líderes estão presos desde 2008 acusados pelo regime islâmico de espionagem e “corrupção na Terra”, crimes punidos com a pena de morte.

Sem provas

Para o Centro de Defesa dos Direitos Humanos do Irã, com sede em Londres, não há provas para condenar nenhum dos sete religiosos. Fundado e presidido por Shirin Ebadi, 70 anos, primeira mulher muçulmana a receber um prêmio Nobel, a organização luta por uma maior conscientização dos direitos humanos no Irã, denuncia suas violações e dá apoio às famílias vítimas de perseguições política e religiosa.

A própria Shirin Ebadi é um exemplo da impiedade do regime fundamentalista do Irã. Juíza em Teerã, perdeu o cargo em 1979, logo após a revolução islâmica, sendo destituída da função porque as mulheres foram proibidas de conduzir julgamentos. Rebaixada a simples funcionária do mesmo tribunal onde era presidente, ela começou a advogar em defesa de ativistas políticos, jornalistas perseguidos e dos sete líderes bahá’ís, atividades que levaram ao seu encarceramento.

Em 1999, Ebadi ficou quase um mês presa em confinamento na prisão de Evin, acusada de perturbar a ordem pública. Foi condenada a um ano e meio de prisão e impedida de exercer a sua profissão por cinco anos, mas a pressão internacional fez o governo reduzir a pena para uma multa. Em 2008, o escritório que mantinha como centro de defesa de direitos humanos foi fechado pelas forças de segurança iranianas e o imóvel confiscado. No ano seguinte, com o agravamento das tensões políticas no Irã e as continuadas ameaças de morte, ela optou pelo exílio.

Em 2011, em visita ao Brasil para participar do encontro “Fronteiras do Pensamento”, em Porto Alegre, a ex-juíza iraniana denunciou mais uma vez a situação de violação dos direitos humanos no país. “No Irã, quem se opõe ao governo é preso. Muitos dos meus amigos estão na prisão e há relatos de assassinatos de prisioneiros políticos.” Ebadi é autora de vários livros, entre eles “Iran Awakening” (O despertar do Irã), publicado em 2006, e “Until we are free” (Até que sejamos livres), de 2016.

Causa Bahá’í na ONU

Outro importante combatente da causa Bahá’í é o diplomata originário das Ilhas Maldivas, Ahmed Shaheed, relator especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos no Irã. Eleito para o cargo, em 2011, pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, Shaheed, que vive na Inglaterra, foi reeleito pela sexta vez, no ano passado. Sua principal missão é lutar pela proteção dos direitos humanos nas sociedades islâmicas, apoiando a liberdade de religião e a abolição da pena de morte. Proibido pelas autoridades iranianas de visitar o país (desde 2005 o governo de Terã proíbe a entrada de peritos internacionais), ele emite comunicados periódicos à imprensa internacional pedindo a libertação “incondicional e imediata” dos sete líderes bahá’ís.

No Brasil, a posição do governo é de abstenção nas votações nos fóruns internacionais quando o tema é sobre as violações de direitos humanos no Irã. A atitude se consolidou, a partir de 2001, e o Itamaraty justifica o voto afirmando “dispor de informações que apontam avanços na situação dos direitos humanos no país”. Mas, o motivo real é evitar qualquer abalo econômico na relação entre os dois países que, em 2016, realizaram trocas comerciais no valor de 2 bilhões de dólares. 

Também desde 2015 o Brasil mantém seu voto de abstenção à renovação do mandato do relator especial para o Irã, no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Porém, o mais recente informe da relatoria especial, publicado em setembro de 2016, aponta 530 pessoas executadas no país. Em 2015, o número de execuções foi maior, atingindo entre 966 e 1054 pessoas, uma situação jamais registrada nos últimos 20 anos, segundo o relator Ahmed Shaheed.

No ano passado, ONGs ligadas à minoria religiosa Bahá’í no Irã já alertavam que o presidente Hassan Rouhani, eleito em 2013 com uma plataforma menos conservadora e mais aberta ao cenário internacional, não vinha cumprindo a sua promessa de campanha de combater a intolerância religiosa no país. Propagandas contra os adeptos dessa fé têm sido veiculadas livremente na mídia iraniana e jovens bahá’ís continuam proibidos de ter acesso às faculdades. Para especialistas em geopolítica, apesar das expectativas, não houve mudanças substanciais no Irã, porque o atual presidente ainda não transformou o histórico repressivo do país.

Rouhani foi reeleito em maio de 2017 para um novo mandato de quatro anos, com 57% dos votos do eleitorado, prometendo a retomada do diálogo com o Ocidente.


 Nota : A República Islâmica do Irã tem uma população de 82,8 milhões de pessoas, sendo 99% muçulmana ( 89 a 94% xiita e 5 a 9% sunita). O restante 1% da população é formada pelos bahá’ís ( 300 mil), cristãos (285 mil), zoroastras (25 mil), judeus (9 mil), Sabean-Mandaeans (mandeísmo) e Yarsanis (yarsanismo), estes dois últimos sem contagem oficial.

A constituição iraniana apenas considera minorias religiosas os cristãos, os zoroastras e os judeus que têm autorização para formar sociedades religiosas. Estipula, também, que todas as leis e regulamentos devem se basear em “critérios islâmicos” e na interpretação oficial da sharia (código de leis do islamismo baseado no Alcorão). Qualquer tentativa de conversão de muçulmanos é punida com pena de morte.  Por lei, os não-muçulmanos são proibidos de servir ao Judiciário, às Forças Armadas ou exercer funções públicas.

Nota: Em 19 de setembro, Mahvash Sabet foi libertada pelo governo iraniano, após viver nove anos encarcerada.

domingo, 6 de agosto de 2017

A face judaica-templária da Maçonaria


por Sheila Sacks


Publicado em "Maçonaria.Net"


Na obra “Antigas Letras”, o Grão-Mestre Leon Zeldis, 33º da Maçonaria de Israel ( The Grand Lodge of the State of Israel), chama a atenção para o fato de que os textos religiosos hebraicos onde aparecem os nomes divinos de D’us não são destruídos quando envelhecem, mas enterrados ou guardados em um lugar especial da sinagoga conhecido como guenizá. Diz a tradição judaica que qualquer fragmento de um texto sagrado que contiver o nome do Criador deve ser enterrado de acordo com determinados rituais. Entretanto, com o passar dos séculos e em função das perseguições sofridas pelos judeus, muitos documentos hebraicos foram apenas escondidos, daí o nome de guenizá (esconderijo), que corresponde em hebraico ao termo lignoze significa guardar, manter secreto.

Provavelmente, quando os primeiros templários chegaram à Terra Santa comandados por Hugues de Payen, em 1118, quase duas décadas após a conquista de Jerusalém pelos Cruzados (1099), o objetivo real de sua presença não ficaria apenas circunscrito a dar proteção aos peregrinos que se deslocassem a Jerusalém. O grupo de nove nobres franceses oriundos da região de Provença que se estabeleceu na ala leste do palácio do rei Balduíno II, patriarca de Jerusalém, sob o nome de Ordem dos Pobres Cavaleiros do Templo de Salomão, passou quase dez anos promovendo escavações na área da Mesquista de Al-Aqsa, erguida sobre o local onde existiram dois grandes templos judaicos: o primeiro Templo, construído em 960 antes da Era Comum pelo rei Salomão e destruído por Nabucodonosor, da Babilônia, em 586 a.E.C., e o segundo Templo, reconstruído cinquenta anos depois no mesmo local e que resistiu até 70 da E.C. quando foi arrasado pelas legiões romanas.

No livro “A Chave de Hiram”, os autores maçons Christopher Knight e Robert Lomas destacam que os clérigos que acompanhavam os cavaleiros templários eram “todos capazes de ler e escrever em muitas línguas e eram famosos por suas habilidades em criar e decifrar códigos”. E transcrevem um comentário do historiador francês Gaetan Delaforge sobre os reais motivos dos templários: “A verdadeira tarefa dos nove cavaleiros era realizar uma pesquisa na área para recuperar certas relíquias e manuscritos que continham a essência das tradições secretas do Judaísmo e do Antigo Egito, algumas das quais provavelmente datavam do tempo de Moisés” (The Templar Tradition in the Age of Aquarius).

Uma Ordem acima de reis e rainhas

Legitimada pelo papa Honório II, em 31 de janeiro de 1128, a Ordem do Templo ganhou estatuto, regras e um comandante: o Grão-Mestre Hugh de Payens. Havia mais de 600 artigos no estatuto dos templários, segundo o historiador inglês Piers Paul Read, autor de “Os Templários”, sendo que a regra 325 relacionava-se com o uso de luvas de couro, que era consentido apenas aos capelães e aos pedreiros construtores de santuários e fortalezas. Mas, “em nenhum lugar havia qualquer menção a peregrinos ou a sua proteção, aparentemente ignorando a única razão para a criação dessa Ordem” (A Chave de Hiram). O papa seguinte, Inocêncio II, através da bula “Omne datum optimum” (1139), estabelece privilégios que tornam a instituição independente de toda interferência de autoridades políticas e religiosas. Segundo a encíclica, os templários só deviam obediência ao Papa.

Durante os próximos 200 anos a Ordem do Templo cresce e se expande em poder e riqueza, recebendo doações em dinheiro e propriedades na Europa. De acordo com os investigadores históricos ingleses, Michael Baigent e Richard Leigh, que pesquisaram a herança templária no surgimento da maçonaria, “em meados do século 12, a Ordem do Templo já tinha começado a se estabelecer como a mais poderosa e rica instituição isolada em toda a Cristandade, com exceção do Papado, com frotas de navios, territórios extensos e ligações secretas com líderes sarracenos” (O Templo e a Loja). Esses mesmos autores e mais Henry Lincoln ainda afirmam que coube aos templários criar e estabelecer a moderna instituição bancária. “Através de empréstimos de vastas somas a monarcas necessitados, tornaram-se os banqueiros de todos os tronos da Europa” (O Santo Graal e a Linhagem Sagrada).

Com a perda de Jerusalém para os muçulmanos em 1291, a Ordem do Templo se transfere para Chipre. A ilha tinha sido conquistada pelo rei Jayme I (Coração de Leão), da Inglaterra, em 1191, e vendida, anos depois, para os templários. Em 1312, a Ordem é oficialmente extinta por um decreto papal emitido por Clemente V, sem que um veredicto conclusivo de culpa tenha sido pronunciado. Através da bula "Vox in excelso" o Papa extingue a Ordem do Templo “proibindo estritamente qualquer um de conjeturar em entrar para a referida Ordem no futuro, ou de receber ou usar seu hábito, ou de agir como um templário” (Os Templários). Em bula subsequente, a "Ad Providam", todos os bens e propriedade dos templários são transferidos para a Ordem dos Hospitalários, uma instituição similar a dos templários, que também funcionava na Terra Santa.

Na França, por ordem do rei Filipe IV, o Belo, os templários são perseguidos, presos e torturados. A Inquisição também se alastra por toda a Europa. As acusações concentram-se em supostas heresias e rituais praticados pelos membros da Ordem. O seu Grão-Mestre, Jacques de Molay, é condenado a morrer na  fogueira, na Ile de la Cité, em 1314.


Estado templário preocupava a Igreja

Setecentos anos depois desses acontecimentos, dúvidas ainda persistem sobre a verdadeira natureza da Ordem e de seus cavaleiros. Seriam eles guardiões de um conhecimento secreto adquirido na Terra Santa em contato com outras culturas ou mesmo oriundo de documentos sobre as origens do Cristianismo descobertos nas escavações? Para Baigent e Leigh, o impacto de antigas formas de pensamento cristão, não Paulinas, podem ter influenciado as atividades da Ordem no seu projeto para a criação de um Estado Templário e na sua política de reconciliar o Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo. “Os templários não negociavam apenas dinheiro, mas pensamentos também. Através de seu contato com as culturas muçulmana e judaica começaram a atuar como introdutores de novas ideias, novas dimensões do conhecimento, novas ciências” (O Santo Graal...).

A pesquisadora da Biblioteca do Vaticano, Bárbara Frale, em artigo publicado no “L’Osservatore Romano” (21.08.2008), jornal oficial da Santa Sé, afirma que os documentos originais do processo contra os templários, encontrados no Arquivo Secreto do Vaticano, demonstram que foram infundadas as acusações de que os cavaleiros praticavam em segredo ritos pagãos e haviam abandonado a fé cristã. De acordo com a autora, os templários não eram hereges e o que se descobriu nas atas conservadas no Vaticano é que “a disciplina primitiva do Templo e o seu espírito autêntico se haviam corrompido com o passar do tempo, deixando a porta aberta para a difusão de maus costumes” (Revelações do Arquivo Secreto do Vaticano: templários não foram hereges,no portal 'Zenit').

Aí caberia a indagação: quais seriam os “maus costumes”, segundo a avaliação da pesquisadora, adquiridos pelos templários? No mesmo artigo, Frale reconhece que “ainda há verdadeiramente muito que investigar” e adianta que o estudo da espiritualidade desta antiga ordem religiosa dará à cultura contemporânea novos motivos de discussão.


Escócia: refúgio dos templários e berço dos maçons

Da extinção oficial da Ordem até a fundação da primeira grande Loja Maçônica em Londres (1717), os autores  do “Santo Graal e a Linhagem Sagrada” registram que os templários ingleses e franceses encontraram refúgio na Escócia (país que ignorou a bula papal), e muitos deles também se integraram a outras Ordens e sociedades secretas na Alemanha, Espanha e Portugal. Conta-se que em 1689, na batalha de Killiecrankie, na Escócia, um dos aliados do rei Jayme II da Inglaterra, John Claverhouse, Visconde de Dundee, estava usando uma antiga vestimenta da Ordem do Templo, de antes de 1307, quando foi morto na luta. A referência ao fato foi publicada no jornal da primeira Loja de Pesquisas Maçônicas do Reino Unido (Quatuor Coronati), em 1920: “Lorde Dundee perdeu sua vida como líder do Partido Escocês Stuart. Segundo o testemunho do abade Calmet, ele teria sido Grão-Mestre da Ordem do Templo na Escócia” (O Santo Graal...).

Mas, muito tempo antes, nos meados do século 16, um manuscrito já comprovava a existência dos chamados franco-maçons e a sua subordinação à monarquia dos Stuart, principalmente ao soberano escocês Jaime I (1566-1625), que também foi rei da Inglaterra e da Irlanda. O historiador maçônico, Robert F. Gould, em “The History of Freemasonry”, transcreve o que era exigido dos franco-maçons à época: “... que sejais homens leais ao rei, sem nenhuma traição ou falsidade e que não tolerais qualquer traição ou falsidade, tratando de combatê-las ou notificá-las ao rei”. Segundo definição de um ilustre estudioso maçom José Maria Ragon (1781-1866), o termo franco-maçom somente se aplicaria àqueles que efetivamente cooperassem na obra de instrução e regeneração da humanidade. Os demais membros de obreiros construtores e integrantes da corporação de pedreiros seriam denominados simplesmente maçons.

Observa-se que a Grande Loja da Inglaterra, criada para centralizar a franco-maçonaria inglesa e que se constituiu no marco oficial da imagem pública da Maçonaria, foi instituída em 24 de junho de 1717, data emblemática para os templários e que lembra o nascimento de João, o Batista. A devoção a essa figura histórica é um dos elos que ligam os franco-maçons aos templários. Segundo o “Dicionário de Maçonaria”, de Joaquim Gervásio de Figueiredo 33.º, João Batista é o patrono da Maçonaria e todas as lojas maçônicas simbólicas são intituladas Lojas de São João.


A tradição judaica dos essênios

Preso e decapitado em 32 da Era Comum por ordem de Herodes Antipas, governador da Galiléia, Yochanan ben Ezequiel (nome hebraico de João Batista) provavelmente era membro da seita dos essênios, uma comunidade judaica que existiu durante os dois últimos séculos da era do Segundo Templo (150 antes da E.C. a 70 da E.C.). Historiadores judeus do século 1, Flavio Josefo e Philo de Alexandria, registraram a presença desse grupo ascético, que praticava um judaísmo ultra-ortodoxo, com jejuns frequentes e banhos rituais diários, e que habitava o deserto da Judéia, entre Jericó e Ein Guedi.

A partir de 1947, e até 1956, com a descoberta dos pergaminhos nas cavernas de Qumran (os manuscritos do Mar Morto), a tese de que os essênios eram seus autores ganhou força entre estudiosos e peritos de várias nacionalidades. Segundo Leon Zeldis 33º, os iniciados da comunidade de Qumran, cujas idades variavam entre 25 e 50 anos, aprendiam a “amar a justiça e ter aversão à maldade”. Consideravam-se herdeiros dos reis sacerdotes, simbolizados por Salomão (do hebraico Shlomo, que deriva da palavra Shalom-paz) e Melquizedek (do hebraico Malki-Tzadik, rei justo), rei de Salem (a atual Jerusalém), à época de Abraão. Alguns de seus membros, como João, o Batista, faziam votos de nazareos - do hebraico “nazir” que corresponde a “separado” ou “consagrado”. Os autores do livro “A Chave de Hiram” acreditam que “a voz que clama no deserto” poderia ser a de João Batista “que viveu uma vida dura no deserto, de retidão qumraniana, comendo apenas os alimentos permitidos, usando um cinturão de couro e uma túnica de pelo de camelo”.

Na obra “Os Manuscritos do Mar Morto”, o professor e doutor em teologia Geza Vermes destaca que os membros da seita se consideravam “o verdadeiro Israel”, fiéis representantes das autênticas tradições religiosas. Os sacerdotes, chamados de “filhos de Zadok” (o sacerdote da Casa de David), se constituíam na autoridade máxima da comunidade. A hierarquia era rigorosa. Cada membro era inscrito na “ordem de seu grau”. O mais alto cargo recaía na pessoa do Guardião, conhecido também como “Mestre” (maskil, em hebraico). Eram também instruídos a reconhecer “um filho da Luz” de um “filho das Trevas”. Na lista de infrações e de suas penas correspondentes, o pecado mais grave que demandaria em imediata expulsão da congregação seria qualquer tipo de transgressão, por ato ou omissão, às diretrizes da Lei de Moisés.

Em um dos manuscritos – o Preceito do Messianismo – é especificado que somente a partir dos 30 anos os homens eram tidos como maduros, podendo participar das assembleias, de casos em tribunais e tomar assento nos altos escalões da seita. O neófito vindo de fora que se arrependia de seu “caminho de corrupção”, iniciava-se “no juramento da Aliança” no dia em que conversava com o Guardião, mas nenhum estatuto da seita deveria ser divulgado a ele. Na avaliação do professor Geza Vermes, o retrato que assoma da leitura dos manuscritos em relação às ideias e aos ideais religiosos dos essênios é uma observância fanática à Lei de Moisés. No campo político, os essênios eram frontalmente contra a dinastia de Herodes e o domínio dos romanos sobre a Terra Santa.

Os livros secretos de Moisés

Dizimada pelos romanos em 66-70 da E.C., a comunidade de Qumram pode ter enterrado sua história, seus segredos e sua tradição secreta ligada a Moisés em algum lugar do templo de Jerusalém, seguindo a prática judaica de não destruir documentos sagrados (a cidade de Jerusalém fica a 40 minutos de carro de Qumram). Na obra “A Chave do Hiram”, os autores aventam a hipótese desses manuscritos terem sido descobertos pelos templários, no século 12, em função das sigilosas escavações realizadas no local por mais de uma década. No livro “A Odisseia dos Essênios”, o historiador britânico Hugh Schonfield faz referência aos livros secretos que Moises teria dado a Josué para que ele os mantivesse ocultos “até os dias de arrependimento”.

No livro do escritor francê Michel Lamy - "Os Templários. Esses senhores de Mantos Brancos"(1997) -  é lembrado o interesse do abade Estevão Harding, amigo e mentor de Bernardo de Clairvaux (incentivador da criação da Ordem dos Templários e autor de suas regras), por textos hebraicos. O abade procurava a ajuda de rabinos nas suas traduções do hebraico dos livros do Velho Testamento. Para Lamy, esse intenso interesse por textos hebraicos demonstram a crença na existência de um tesouro oculto enterrado sob o monte do Templo e algum tipo de relação com o lugar que mais tarde se tornou a moradia dos templários. O historiador Piers Paul Read também destaca que uma das primeiras traduções encomendadas pelos templários na Terra Santa foi a do “Livro dos Juízes”, do Velho Testamento. “Havia uma íntima e inquestionável identificação dos cristãos da Palestina com os israelitas de antigamente” (Os Templários).

Erguido pelo rei Salomão para abrigar a “Arca da Aliança” – relicário das palavras divinas a Moisés no deserto - , o grande Templo de Jerusalém concentrava nesse local toda a sua santidade. Construído sobre o Monte Moriá, o aposento onde ficava a arca sagrada era o lugar mais recôndito do Templo, chamado de “o Sagrados dos Sagrados” (Kodesh há-Kodashim), recinto cuja santidade era tal que somente o grande sacerdote (Cohen Gadol, em hebraico) tinha permissão de lá entrar, uma única vez durante o ano, no Dia do Perdão - Yom Kipur (Revista Morashá).

A adoção pelos templários e maçons dessa simbologia estruturada nos mistérios e segredos que se iniciam com Abraão, tem seu ápice em Moisés, se perpetua com a construção do Primeiro Templo por Salomão e sofre transmutações generalizadas a partir dos primórdios da Era Comum (após a destruição da comunidade de Qumram), ainda permanece envolta em véus em sua nascente e tem se mostrado um desafio para a Igreja Católica. De igual forma, a imensa quantidade de publicações, teorias e suposições a respeito do tema ainda não produziu uma resposta diferente daquela que anima e justifica o trabalho da maioria dos pesquisadores: a da “busca pela verdade” .


Os guardiões da Aliança

Em “As Intrigas em torno dos Manuscritos do Mar Morto”, o leitor acompanha a trajetória dos manuscritos, desde das primeiras descobertas no deserto da Judeia, em 1947, durante o mandato britânico na Palestina, até o início da década de 1990, quando o conteúdo de muitos documentos ainda não tinha sido divulgado. A batalha para o livre acesso e publicação de mais de 800 manuscritos por parte de inúmeros pesquisadores de renome mundial é relatada por Michael Baigent e Richard Leigh que culpam a chamada “equipe internacional” comandada pelo padre Roland de Vaux, da École Biblique de Jerusalém, de manter por longo tempo o monopólio sobre os manuscritos. A polêmica se estendeu até a imprensa através das páginas do influente jornal americano "New York Times" que em editorial publicado em 9 de julho de 1989 criticou a morosidade das pesquisas, observando que “passados 40 anos, um círculo de estudiosos indolentes continua esticando o trabalho, enquanto o mundo espera e as preciosas peças vão se desmanchando em pó”.

Hoje sabemos que os membros da comunidade de Qumram costumavam referir-se a si próprios como “os guardiões da Aliança”. Tal conceito se baseia essencialmente na grande importância da “Aliança”, que impunha um voto formal de obediência, total e eterna, à Lei de Moisés. Daí a expressão “Ossei ha-Torá”, encontrada em um dos pergaminhos, que pode ser traduzida por “Agentes da Lei”, expressão talvez que fosse a origem da palavra essênio (As intrigas em torno dos Manuscritos...). Mas, para o pesquisador Robert Eisenman, autor de vários livros sobre os Manuscritos, termos como essênios, zadoques, zanoreanos, zelotes, sicários, ebionitas (os pobres) apontam para um mesmo grupo ou movimento ortodoxo de rigoroso cumprimento da lei mosaica.

Em seu estudo “Paulo como herodiano”, apresentado na Sociedade de Literatura Bíblica (Society of Biblical Literature), em 1983, Eisenman credita a Paulo (Saulo de Tarso) o papel de agente secreto dos romanos, após ser ameaçado de morte pelos “zelosos da Lei”. A partir dos manuscritos e de referências encontradas no Novo Testamento, o pesquisador afirma que a entrada de Paulo em cena mudou o rumo da história. “O que começou como um movimento localizado dentro da estrutura do judaísmo existente, e cuja influência se restringia aos limites da Terra Santa, se transformou em algo de uma escala e magnitude que ninguém na época poderia ter previsto. O movimento que estava nas mãos da comunidade de Qumran foi efetivamente convertido em algo que não tinha mais lugar para seus criadores” (As Intrigas em torno dos Manuscritos...).

Para os autores ingleses de “A Chave de Hiram”, Saulo de Tarso não conhecia profundamente os ritos nazoreanos da comunidade de Qumram e a sua simbologia da “ressurreição em vida”, cerimônia adotada pela Maçonaria em seu ritual de 3º Grau. Em um dos manuscritos encontrados, denominado “Preceitos da Comunidade”, é explicado que ao entrar na comunidade o sectário era elevado a uma “altura eterna” e unido ao “Conselho Eterno” e à “Congregação dos Filhos do Céu” (Geza Vermes, em “Os Manuscritos do Mar Morto”).

Outro importante estudioso dos manuscritos, o historiador John Allegro, em seu livro “The Treasure of the Copper Scroll” que traz a tradução completa do Manuscrito de Cobre, explica que “Qumram” é uma palavra árabe moderna e que no século 1 da E.C. o local era conhecido como Qimrôn, raiz da palavra hebraica que significa abóbada, arco, portal. O pesquisador também observou a utilização de códigos no Manuscrito de Cobre quando são citados os 64 esconderijos com metais preciosos e manuscritos pertencentes à Comunidade. Detalhe igualmente notado pelo padre J.T.Milik, que fazia parte da equipe internacional que analisou os manuscritos em Jerusalém. O religioso constatou a presença de técnicas de codificação críptica em alguns documentos secretos que continham informações sobre eventos futuros.


Nota: No livro “O Templo e a Loja”, os pesquisadores Richard Leigh e Michael Baigent relatam a descoberta de um cemitério com mais de cem lápides de templários durante as escavações  no Castelo de Pèlerin (Castelo do Peregrino) ou Fortaleza de Atlit, na década de 1980, a 10 quilômetros ao sul da cidade de Haifa, na costa norte do país, junto ao Mediterrâneo. A construção, erguida em 1218, foi a maior fortaleza da Ordem do Templo no então Reino Latino de Jerusalém e ainda são visíveis as ruínas da fortificação. Uma das tumbas dos templários ficou em exposição no Museu Arqueológico Rockefeller, na parte leste de Jerusalém.


Texto atualizado (escrito originalmente em 2011)